quinta-feira, 10 de agosto de 2023

A Mulher Verde na nossa tradição

Quando vivemos em culturas cristãs e descobrimos a Deusa, é normal numa primeira fase voltarmo-nos para a iconografia que fez parte do cenário onde nascemos e crescemos para encontrarmos na imagem de Maria vestígios da Deusa antiga que Ela suplantou. A Senhora da Conceição é nessa fase a que mais nos fascina por exibir ainda normalmente os símbolos pagãos da serpente e do crescente lunar. Mas, por norma, rapidamente nos cansamos dessas imagens monótonas da Senhora, basicamente indiferenciáveis, sem atributos físicos femininos, depois que as Senhoras do Leite e do Ó começaram a ofender sensibilidades e a serem relegadas para sacristias e museus. Se procurarmos pela Senhora dos Verdes, por exemplo, e depois pela Senhora de outra qualquer invocação, as imagens são basicamente iguais ou muito semelhantes no seu manto sobre a cabeça encimada por uma coroa de prata, e longo vestido, de tons claros, atado na cintura.

As Senhoras emudeceram e paralisaram ou esconderam a Deusa antiga; a sua postura e indumentária não revelam mais os seus atributos nem qualidades, suas e do seu povo e terra que protegem e abençoam.

Porém, se traduzirmos para o inglês, língua em que gostamos de ler as sagas das antigas deusas da cultura céltica ou nórdica, e observarmos essa iconografia cada vez mais e mais abundante, graças à inspiração que fornecem ao talento de tantas e tantos artistas actuais, aí o caso muda de figura. A Senhora dos verdes transforma-se na Green Lady, ou Green Woman,  e a Senhora dos Caminhos surge-nos nada mais nada menos do que como Elen of the Track Ways, a Deusa hasteada, das renas e cervídeos e das linhas de energia da terra, do bosque selvagem e profundo.  

Ela é uma Deusa de Beltane e a meu ver e sentir, como refiro no meu livro A Deusa do Jardim das Hespérides, é Ela que Camões exalta no seu famoso vilancete:



Se Helena apartar

do campo seus olhos,

nascerão abrolhos.


A verdura amena,

gados que pasceis,

sabei que a deveis

aos olhos d' Helena.

Os ventos serena,

faz flores d' abrolhos

o ar de seus olhos.

Faz serras floridas,

faz claras as fontes...

Se isto faz nos montes,

que fará nas vidas?


Trá-las suspendidas,

como ervas em molhos,

na luz de seus olhos.

Os corações prende

com graça inumana;

de cada pestana

uma alma lhe pende.

Amor se lhe rende

e, posto em giolhos,

pasma nos seus olhos.

O poeta só pode estar a falar duma Deusa, duma Green Lady, duma Senhora dos Verdes, com o poder de comandar ventos e de criar verdura e flores no campo. Essa antiga Deusa pagã, que o povo ainda deveria lembrar e cultuar antes da razia inquisitorial do séc. XVI, teria outros títulos, como o de Senhora dos Campos e das Flores, e despertava amores como é próprio duma Deusa, sobretudo da fertilidade da terra de Beltane.

Sugiro então que observemos a iconografia pagã actual de Elen of the Track Ways, a Green Woman, ou Green Lady, para melhor sentirmos a energia duma Nossa Senhora dos Verdes, que tem ermidas e capelas, que às vezes coexistem com ou substituíram as da Senhora dos Caminhos, e outras vezes estão em lugares de grande antiguidade e importância arqueológica como o Monte Aljão, em Gouveia, ou aquele que será porventura o mais interessante entre nós, na zona de Portimão, com uma capela hoje em dia em ruinas na Herdade do Morgado de Reguengo, à Ribeira da Senhora do Verde. Na Wikipédia fala-se dum antigo culto pagão, depois romanizado, e que na origem, diz-se, poderia ser de origem oriental:


“A zona onde se situa a igreja foi ocupada pelo menos desde a pré-história, estando situada a Norte da localidade de Alcalar, onde se situam vários monumentos megalíticos. Imediatamente a Norte da igreja foram encontradas duas bases de colunas do período romano, num sítio arqueológico que foi depois destruído. Estas colunas foram descobertas pela Sociedade Arqueológica da Figueira numa pesquisa em Dezembro de 1900, tendo encontrado igualmente várias partes de uma lápide com molduras e outros vestígios, que poderiam ter demonstrado a existência de uma grande estrutura romana naquele local. A denominação de Senhora do Verde, pouco usual dentro da religião cristã, parece apontar uma entidade feminina, dedicada à água e à fertilidade agrícola, cujo culto poderia ter tido origem oriental, e que poderia remontar ao período dos monumentos de Alcalar…”

Mas Alcalar não é tão celta pelo menos quanto o monumento funerário semelhante de New Grange, na Irlanda, localizado no Vale do River Boyne (enquanto que a Portimão vai desaguar a Ribeira de Boina)?!. Então teríamos se calhar ainda ali vestígios do culto a uma outra Deusa celta, para além de Boina/Bovinda/Brígida, que os cristãos designaram por Nossa Senhora dos Verdes, mas lá mais para o Norte é a Green Woman, ou Green Lady, ou Elen of the Track Ways, dos caminhos das renas e outros cervídeos, das linhas de energia da terra…


Luiza Frazão


Imagens Google, retiradas de:

1. Site Câmara Municipal de Mangualde

2. https://espinho-net.blogs.sapo.pt

3. https://www.paganmusic.co.uk/the-green-album/

4. Wikipédia, igreja da Herdade do Morgado do Reguengo, Portimão

5. https://fineartamerica.com/featured/elen-of-the-trackways-yuri-leitch.html

6. https://www.thequirkycelts.co.uk/shop/pictures/wall-plaques/green-spirit-green-woman-plaque/


Para ler sobre a Senhora dos Verdes de Portimão:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Nossa_Senhora_do_Verde

domingo, 6 de agosto de 2023

CONFERÊNCIA DA DEUSA PORTUGAL - o que é, quem promove e coordena, visão e propósito...

 

O QUE É?

Evento de carácter cultural, espiritual e devocional, com abrangência nacional e internacional, bilingue – língua portuguesa e inglesa –, cujas actividades decorrem essencialmente em espaço fechado, podendo estender-se ao exterior.

ORGANIZAÇÃO E COORDENAÇÃO

A organização está a cargo da Associação Cultural Jardim das Hespérides, sediada em Óbidos, cuja direcção é presidida por Maria Luiza Oliveira Frazão, coordenadora geral das actividades da Conferência.

VISÃO E PROPÓSITO?

Este projecto visa essencialmente o resgate do culto pré-cristão do sagrado feminino no  território português, como um factor de paz, honrando as nossas raízes arcaicas, nomeadamente célticas, resgatando uma herança cultural, que é a dimensão mítica do Jardim das Hespérides. Embora o tema tenha chegado até nós por via da cultura grega clássica, ele é em tudo semelhante ao da Ilha mítica de Avalon, um Outro Mundo céltico. Tal como Avalon, trata-se de um lugar de Maçãs, e como afirmaram já vários autores nacionais, de António Quadros a Dalila Lello Pereira da Costa, esta faixa do território ibérico foi considerada como a contraparte física desse lugar paradisíaco, onde as famigeradas Irmãs do Poente guardavam as Maçãs de Ouro da Imortalidade, um tema indubitavelmente ligado à cultura celta. Consideramos que esta importante e legítima herança cultural possui grande potencial para nos inspirar no presente na criação de sociedades mais pacíficas, harmoniosas, sustentáveis, prósperas e inclusivas.

O propósito deste evento é pois congregar, de Portugal, bem como da Europa e de outras partes do mundo, pesquisadoras/es e praticantes do culto do sagrado feminino pré-cristão, endógeno e exógeno, alargando o conhecimento das nossas raízes culturais, incentivando o gosto pela preservação do património cultural e espiritual, material e imaterial, de Portugal e da humanidade em geral. 

O propósito desta conferência é ainda desenvolver as artes e os ofícios, reconhecendo tanto as suas origens na tradição como o seu potencial de inovação e de criação de bem-estar e riqueza para os indivíduos e as comunidades.


TEMAS DESENVOLVIDOS

Nesta Conferência, os temas relacionam-se com a arqueologia, antropologia, etnografia, teosofia, com foco no culto do sagrado feminino, em Portugal e no estrangeiro, eco feminismo, desenvolvimento humano, saúde e bem-estar. Artes, performativas e plásticas, bem como artifícios tradicionais e modernos são igualmente acolhidos e incentivados.

TIPO DE ACTIVIDADES

As actividades desenvolvidas constam de palestras, oficinas, performances, cerimónias, música e dança. Uma caminhada processional das e dos participantes, até um ponto específico, nas imediações do local onde decorre o evento, culminando com cerimónia de adoração da Senhora do lugar, faz igualmente parte dos trabalhos. O espaço da Conferência alberga ainda um mercado, onde são transaccionados produtos de fabrico artesanal, sendo que uma percentagem do valor, estipulada pela Associação Cultural Jardim das Hespérides, reverte a favor da mesma.

RECURSOS HUMANOS

Na realização do evento, participam nove Cerimonialistas, Sacerdotisas ou Sacerdotes da Deusa do Jardim das Hespérides (formadas/os pelo Templo da Deusa do Jardim das Hespérides, Óbidos, Portugal), ou da tradição de Avalon (Glastonbury/Inglaterra) ou ainda da tradição ibérica.

Estas Sacerdotisas são coadjuvadas por um outro grupo de nove Sacerdotisas ou Sacerdotes, designadas por Sacerdotisas do Círculo, maioritariamente constituído por Sacerdotisas ou Sacerdotes igualmente formadas pelo Templo da Deusa do Jardim das Hespérides, Óbidos, Portugal.

Um grupo de colaboradoras/es, designadas por Melissas, com tarefas relacionadas com a organização e funcionamento do espaço físico, tradução ou actividades multimédia, em número variável, integra igualmente a equipa dos recursos humanos necessários para a realização deste evento. A coordenação geral deste grupo está a carga de uma Sacerdotisa do Jardim das Hespérides designada para o caso pelo título de Melissa-Mãe.


RECURSOS MATERIAIS

Salão amplo, cozinha e refeitório, jardins exteriores, artefactos relativos ao culto do sagrado feminino, videoprojector, tendas para o mercado.

DURAÇÃO E PERIODICIDADE

A duração actual da Conferência é de três dias e a sua realização é bienal. A primeira edição ocorreu em 2019, em Sintra, e a segunda em 2022, na Várzea de Sintra, estando a terceira projectada para acontecer em Maio de 2024, igualmente na Várzea de Sintra.

PÚBLICO ALVO

Mulheres e homens, nacionais e estrangeiros. Crianças e adolescentes são igualmente integradas em actividades específicas.

RECURSOS MONETÁRIOS

A participação neste evento implica por parte do público o pagamento de um bilhete, cujo valor visa cobrir os custos relativos ao aluguer do espaço, deslocações, alojamento e alimentação de toda a equipa e outros, bem como gerar receitas para diferentes actividades a desenvolver pela Associação Cultural Jardim das Hespérides.

PATROCÍNIOS

São aceites patrocínios de entidades que desenvolvam actividades com afinidade com os temas apresentados.

 Imagens de Sara Miguens (excepto a primeira)

 

 

 

Helena dos Caminhos / Senhora dos Verdes

  Yuri Leitch HELENA DOS CAMINHOS   “Se Helena apartar do campo seus olhos nascerão abrolhos” Luís de Camões   “O azar da Pení...