quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Modraniht - a Noite das Mães

 

Noite das Mães: As Antigas Origens Pagãs do Pai Natal?

Esta pesquisa ajuda-nos a perceber por que razão o Dia da Mãe em Portugal foi celebrado até há relativamente poucos anos em Dezembro. É verdade que no princípio, dia 8, mas mesmo assim tinha conseguido permanecer neste mês do Solstício de Inverno quando se honravam as Matronas do clã… Esta Mãe colectiva, tripla, as Três Matres, também foi cultuada entre nós, eram as Matrubos. Desconfio de aldeias que, sendo relativamente pequenas, conservam três templos cristãos dedicados cada um a uma Senhora diferente... Que vos parece?...

Modraniht, a Noite das Mães

Os povos germânicos primitivos celebravam a noite anterior ao Solstício de inverno como a Noite das Mães. O Venerável Bede, um monge cristão do século VIII, escreveu sobre este facto na sua descrição do calendário pagão. Em inglês antigo, chamavam-lhe Modraniht. Mais de 1100 pedras votivas e altares foram encontrados ao longo dos séculos, dedicados às mães, ou matronas, e metade destas pedras de altar foram inscritas e dedicadas com nomes germânicos.

As principais áreas de culto foram descobertas na antiga Germânia, no norte de Itália e no leste da Gália. Existem alguns centros de culto maiores com templos encontrados ao longo do Reno. Muitos destes altares foram encontrados perto de rios, poços ou nascentes. Os altares dedicados e as pedras votivas chegavam até à atual Escócia, ao sul de Espanha, à Frísia e a Roma.

Há uma referência aos cultos maternos germânicos nos escritos de Bede, em 725 d.C.: "E à noite que é sagrada para nós, estas pessoas chamam modranect, ou seja, a noite das mães, um nome que lhes foi dado, suspeito, devido às cerimónias que realizavam enquanto observavam esta noite."

Os altares e as pedras votivas, bem como os templos, eram frequentemente esculpidos com imagens que mostravam três mulheres de idade e aparência maternais, muitas vezes segurando cestos de fruta e um bebé. Com base nas inscrições encontradas, pensa-se que estes altares eram dedicados como oferendas de agradecimento pela abundância, dádivas e bênçãos que os soldados e marinheiros já tinham recebido. Acreditavam que as Mães tinham respondido às suas preces e esta era a sua forma de as reconhecer, queimando incenso e deixando oferendas de alimentos.

Muitas destas deusas ou espíritos tinham o nome da família que as invocava, bem como o nome do rio ou da nascente que tutelava a cidade ou aldeia local, como as matronas Albiahenae da cidade de Elvenich ou as Renahenae do Reno. Das 1100 pedras votivas encontradas, mais de 360 designam os mesmos grupos de matronas, as Aufaniae, as Suleviae e as Vacallinehae. Com base na idade das inscrições em pedra, parece que o culto das matronas começou a extinguir-se na Alemanha continental por volta do século V d.C., e Modraniht deixou de ser tão amplamente celebrado à medida que o cristianismo se impôs.

O que é que podemos retirar do que a história nos conta? A Noite das Mães era o momento de honrar as mães de "alma" da família e da tribo que velavam por elas. Destinava-se às mães que tinham feito a travessia, não àquelas que ainda viviam.

Na Noite das Mães, honra-se o sacrifício da vida para que as mães ancestrais se tornem uma fonte de sabedoria e força para aquelas que ainda vivem.

Gosto de começar a minha celebração criando um pequeno monte de pedras num altar temporário. Honro primeiro as minhas mães que fizeram a travessia, inscrevendo os seus nomes na pedra com giz. Acendo uma vela para cada uma delas. Lembro-me delas e conto as suas histórias. Opto também por honrar a força das mães ainda vivas, para que possam fazer parte dessa corrente ancestral quando chegar a sua vez de atravessar o véu.

Bebo uma chávena de chá e convido-as a partilharem dele. Faço croché, algo que a minha bisavó me ensinou no alpendre da frente durante o verão, quando eu era mais nova, oferecendo-me os seus ganchos quando já não os podia usar. Uma forma de homenagear as mães é honrar o seu trabalho e transmitir os conhecimentos que nos foram transmitidos por elas, e pelas mães delas, e que continuam vivos através de nós e do trabalho das nossas mãos. Sento-me e costuro à mão, cerzindo roupas velhas e, enquanto costuro, rezo.

Chamo-me Sarah, sou filha de Margaret, filha de Patricia, filha de Margaret, filha de Eliza, filha de Mary da Irlanda.

Rezo pela saúde dos meus entes queridos.

Rezo pela cura da minha amiga, uma mãe, que luta contra o cancro da mama.

Rezo pela cura de uma amiga cuja mãe morreu faz hoje um ano.

Rezo pela cura de uma amiga que perdeu a sua mãe recentemente, uma mãe cujo aniversário é hoje.

Rezo pela cura de uma amiga cuja mãe descobriu recentemente que o seu cancro voltou.

Peço força para a minha sobrinha, que é mãe pela primeira vez este ano.

Rezo para que o eco da sabedoria das mães que vieram antes seja lembrado.

Rezo pela terra, pela nossa Grande Mãe, cujos ossos, minerais e ADN animal nos deram vida.

~ Por Sarah Lyn

http://walkingwithancestors.blogspot.com/.../modraniht-id...

Imagem 1 - Arte de Ida Mary Walker Larsen

 Imagem 2 - https://thealderscrolls.wordpress.com/

 Imagem 3 - Pinterest

 

 

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Solstício de Inverno - A Luz e a Escuridão

Os festivais da Roda do Ano são chamados Festivais Solares porque sempre celebram o movimento da Terra à volta da nossa estrela, à volta do Sol. Mas a ênfase excessiva no Sol acaba por fazer esquecer a Terra, o facto de estarmos aqui, sendo nós parte dela. Na verdade ela é um ser sagrado, Gaia, e Natureza é um dos Seus muitos nomes. Os Seus processos de criação, entretanto, precisam da escuridão, foi na escuridão do útero da nossa mãe que fomos geradas e gerados. Diz-nos Carol P. Christ, no seu ensaio Podemos Celebrar a Escuridão, Podemos Dormir?, que esta ênfase na luz tem na verdade uma origem patriarcal. Na Religião da Velha Europa, investigada pela arqueóloga, ou arqueomitóloga, Marija Gimbutas, celebrava-se a Deusa como o poder da morte e da regeneração da vida. Essa espiritualidade era praticada por povos agrícolas, que compreendiam a importância da escuridão para que as sementes pudessem germinar. A escuridão e o frio eram condições indispensáveis para que na Primavera pudéssemos ter novas plantas. Esse tempo de pousio, de falta de luz, de noites maiores que ou tão grandes como os dias, são também alturas em que podemos repousar mais e melhor. Essa época, em que seres humanos e animais permanecem mais tempo no interior das suas casas ou tocas, hibernando, é o chamado Tempo do Sonho, propício à concepção de novas ideias e projectos, que depois ganharão forma no novo ciclo da criação. Reuniões familiares e convívio à volta da fogueira, partilhando cantigas e histórias também davam um encanto especial a estas longas noites de Inverno. Esse era um período muito importante para os povos agrícolas do passado.

Carol P. Christ lembra-nos, entretanto, que os indo-europeus invasores não eram um povo agrícola, eram pastores nómadas e cavaleiros, que celebravam os reluzentes Deuses do céu. Por conseguinte, estas duas formas de estar na vida e de ver o mundo, dos agricultores da Velha Europa e dos povos que os invadiram, nómadas e pastores, provocou um grande choque de culturas. O poder desses Deuses brilhantes do céu reflectia-se no brilho das suas armaduras e armas de bronze.

E então aconteceu que esses patriarcas "casaram" os seus Deuses celestes com as Deusas-Mães terrestres que conquistaram. Tratava-se de uniões desiguais, uma vez que o sol era visto como superior à terra. Um exemplo disso é o casamento de Zeus com Hera, na mitologia grega da época clássica. De Deusa independente e poderosa que era, esta antiga divindade cretense viu-se assim transformada numa megera atormentada pelo ciúme, desesperada e violenta, que em vão passava o seu tempo tentando remediar o resultado dos instintos de violador em série, de ninfas e de Deusas, que tinha por marido. As Deusas mais velhas, que recusaram essa violação e casamento, foram relegadas para as fendas escuras da terra, vistas como a entrada para o submundo. E estas entidades divinas ctónicas emergiam das profundezas da terra em fúria, causando morte e destruição.

Para os antigos europeus, as serpentes que saíam das fendas nas pedras na Primavera eram prenúncio de renovação e de regeneração. Tal como as sementes, estas dormiam num local escuro durante o Inverno, despertando na Primavera, quando despiam a velha pele e punham os seus ovos. O submundo era entendido como um lugar de transformação, e não, como se tornaria mais tarde, um lugar de morte e destruição. A serpente era esse símbolo de regeneração da vida e não um símbolo do mal. Segundo ainda Marija Gimbutas, o branco era a cor da morte na Velha Europa, já o preto era a cor da transformação e da renovação da vida. Enquanto estes povos viam a morte como uma etapa necessária do ciclo da vida, os indo-europeus invasores ensinaram-lhes que a morte é um fim a temer e que a luz deve ser reverenciada e a escuridão evitada a todo o custo. Foram eles que desenvolveram o binómio claro escuro em que este segundo é negativo. Os indo-europeus entraram na Índia e na Europa. A noção de iluminação encontrada no Hinduísmo e no Budismo é ainda, segundo Carol Christ, um legado do binómio claro-escuro. Este povo, entretanto, também era de pele mais clara do que a das gentes que conquistaram, e assim a dicotomia claro/escuro pôde ser usada para justificar o domínio dos guerreiros de pele mais clara. Esta valorização também está presente no enfoque na ideia da luz e do amor da Nova Era. As pessoas que seguem caminhos espirituais baseados na terra afirmam frequentemente que celebram a escuridão da mesma forma que a luz, mas aí, e concordo plenamente com a autora, não é bem assim, pois na verdade elas ainda estão presas à glorificação indo-europeia do branco e da luz. A prova disso é que, no meio do Inverno, regozijamo-nos com o regresso da luz, mas não nos regozijamos da mesma forma com o regresso das trevas no Solstício de Verão. Tanto num momento como no outro o que festejamos é a luz.

Mas como poderíamos nós celebrar a escuridão? Dormindo mais, reaprendendo que o ciclo da vida se divide em três partes, nascimento, morte e regeneração, não em dois, a vida e a morte, o preto e o branco, a escuridão e a luz. Poderíamos começar por ter uma boa noite de sono nestes longos períodos de trevas invernosas, como pede o nosso corpo, que nos ensina que a escuridão é realmente tão importante quanto a luz.

Então esta celebração de Santa Luzia, a 13 de Dezembro, antiga data do Solstício de Inverno, com as fogueiras em Sua honra que se ateiam e depois também na longa noite da actual data, deveria ter como contrapartida uma celebração da escuridão no Solstício de Verão, pois é então que começa o Inverno, com os dias começando lentamente a ficarem mais curtos. Mas a verdade é que parece que nós continuamos a cultivar entusiasticamente esta nossa herança patriarcal de desequilíbrio na valorização da luz em relação à escuridão.

Fonte de inspiração: Carol P. Christ

https://feminismandreligion.com/2022/11/21/legacy-of-carol-p-christ-can-we-celebrate-the-dark-can-we-sleep/

 

Helena dos Caminhos / Senhora dos Verdes

  Yuri Leitch HELENA DOS CAMINHOS   “Se Helena apartar do campo seus olhos nascerão abrolhos” Luís de Camões   “O azar da Pení...