quinta-feira, 31 de julho de 2025

Lammas, Evocando as Águas Amnióticas da Grande Mãe

Águas de Lammas, Águas da Vida

Lammas, Lughnasadh, é o festival celta das Primeiras Colheitas

Celebra-se a 1 de Agosto e nele se honra a Deusa no Seu aspecto de Mãe, de Grande Criadora, de Senhora do Grão, dos Cereais, da Nutrição e da Abundância, a Senhora do Leite, a Senhora da Hora (do Parto), da terra cultivada, diferente da terra selvagem que celebramos em Mabon. A Grande Mãe que "trabalha na estrutura energética da terra e da comunidade, carregando no Seu  vasto útero os ovos dourados do futuro"*

Nesta altura celebramos a nossa Deusa Mãe Caria, cujo nome se aproxima do da Deusa Mãe romana Ceres, e da Deusa cretense Ker bem como da palavra cereal; celebramos também Broénia, na origem do nome que damos ao pão de milho, a broa - lembrando que o milho painço já existia na Europa antes das viagens de exploração intercontinentais. Neste festival, em honra igualmente está Deméter e todas as Deusas Mães, incluindo Isis e a hindu Lalita, ou Metragirta, da Roda da Ibéria, Asherat e muitas outras. 

Na Roda de Avalon também é celebrada Madron, ou Modron, Deusa Mãe muito arcaica, diz-se que desde antes do grande dilúvio. Ela está particularmente associada às águas da fertilidade e da criação, o líquido amniótico onde nos criámos no ventre das nossas mães. Conhecido em muitas tradições espirituais como “águas sagradas”, “oceano primordial”, ou “mar interior”, Madron ainda tem o Seu poço sagrado na Cornualha.

Essas águas, tão apetecidas e decisivas para a nossa sobrevivência e a de toda a vida, especialmente nos meses abrasadores do verão, esse líquido tão precioso onde a vida se gera e se cria, é também sagrado e especialmente dedicado à fertilidade do útero feminino em fontes como a de São Pedro de Rates Localização, situada nas proximidades da Igreja Românica do mesmo lugar, uma freguesia da Póvoa de Varzim, no distrito de Braga. Esta é uma fonte tradicionalmente associada a rituais populares relacionados com a fertilidade, quer para casais que desejam ter filhos, quer para a fecundidade da terra. Costa que durante séculos, pessoas vinham à fonte pedir bênçãos, beber a água ou realizar rituais, numa mistura de tradições pagãs e cristãs ou pagãs cristianizadas.

Existem em Portugal vários outros exemplos de águas, ou de fonte associadas à fertilidade: incluindo a Fonte Santa de Santa Maria da Feira; a Fonte da Senhora da Piedade (Região Centro); Fontes termais e santuários de águas milagrosas, como Vila Real, Caldas da Rainha, ou Chaves onde as águas quentes e minerais eram usadas para tratamentos, inclusive ligados à fertilidade. Ainda na Cidade da Senhora da Hora (por certo uma referência a um anseio frequente nas mulheres de terem um bom parto), aí a Fonte das Sete Bicas está associada à fertilidade feminina. Mulheres grávidas ou que desejavam engravidar, bem como agricultores preocupados com a reprodução dos animais, recorriam a esses locais. Os rituais incluíam beber a água, lavar-se nela, ou mesmo amarrar fitas coloridas nas árvores próximas como símbolo de pedidos e agradecimentos.

Mas são inúmeros no nosso território os lugares onde águas de nascentes, de tanques e pias, em lugares de milagre e devoção, carregam este poder sagrado de propiciar a criação de nova vida, sendo vistas e sentidas como as águas amnióticas da Grande Mãe. Basta sentir a aura dum lugar, como a Pia da Ovelha, rodeada de símbolos vulvares nas paredes de pedra do maciço calcário estremenho, na companhia duma Sheela na Gig, ou Baubo, exibindo o seu portal interdimensional para percebermos a sua ligação com o parto, a fertilidade e a Grande Mãe. Junto dessa formação natural, a famosa Pia da Ovelha, onde um pingo constante de água assegura o seu perpétuo abastecimento, e não temos dúvidas de que aquele é antes de mais o precioso líquido amniótico do útero da Grande Criadora, ali albergado na lapa-útero da serra. A alguns metros, a capelinha da Memória consagrada à Senhora da Consolação, foi erigida sobre uma “pocinha” de água, que a Senhora do Fetal que ali apareceu, diz-se, no séc. XVII, fez aparecer para matar a sede da Pastorinha a quem antes tinha matado a fome, enchendo de pão a arca da casa da sua família, muito pobre, na aldeia. A “pocinha” de água foi obstruída, mas nem por isso essa Senhora da Consolação deixa de ser procurada para cura, como se pode ver pelas ofertas deixadas no parapeito da janelinha da capela fechada, tal como a porta.


E de súbito, quando estudamos a Mãe nas sociedades celtas, vista muitas vezes como um colectivo de três, as Matres, ou Matronae, ou as Matrubos, como as nossas antepassadas e antepassados as conheciam também por aqui, percebemos ser aquele um poderoso santuário da Grande Mãe, que o povo celta ligava tanto à Criação e Sustentação da Vida, e por isso também à Cura, como à sua regeneração, ou seja, à Morte.  E assim no mesmo lugar onde temos a vulva e a água uterina da Grande Criadora, temos um painel mostrando o milagre do pão que a Generosa Senhora da Abundância providenciou à Pastorinha a quem apareceu, e, logo ao lado, o cemitério da mesma Senhora do Fetal, lembrando que ela acolhe tando no nascimento nesta dimensão quanto no da alma na outra. De resto a aldeia venera três Senhoras - a dos Remédios, a da Consolação e a do Fetal. Sobre a história deste importante santuário, já muito sagrado e importante antes da cristandade, existe abundante literatura para quem quiser aprofundar o tema como de facto merece. Ver por exemplo Memórias do Reguengo do Fetal, Vol. I e II, Joaquim Ribeiro Gomes Calado

Em Lammas celebramos também as águas vermelhas (águas férreas) e brancas do Sangue e do Leite da Vida da Magna Mater. Por isso o ocre vermelho era usado nos rituais funerários para invocar o poder do Seu sangue regenerador, e entre nós Ela é também invocada como a Senhora do Leite, para além de a Senhora do Ó, a Senhora prestes a dar à luz, e a Senhora do Parto – memória de sociedades que valorizavam acima de tudo o milagre da Vida (ver Riane Eisler, O Cálice e a Espada)

 *Kathy Jones, Sacerdotisa de Avalon, Sacerdotisa da Deusa (obra em fase de edição e publicação em Portugal, pela Associação Cultural Jardim das Hespérides)

 Imagem 1 - Senhora da Abadia, Terras de Bouro

Imagem 2 - Serra da Estrela, Seia, zona da Cabeça da Velha

Imagem 3 - Altar de Lammas

Imagem 4 - Matres, Matronae ou Matrubos (representação da autora)

Imagem 5 - Maciço calcário estremenho

©Luiza Frazão


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