É hora de invocarmos as energias sagradas da nossa terra, especialmente nos Seus mais conhecidos lugares de poder, como o Monte da Santa Eufémia, em Sintra; o Monte de Santa Quitéria, em Felgueiras, Viseu; a Serra da Ossa, o Gerês, a Praia das Maçãs ou qualquer lugar onde se cultuem ou haja ermidas a Santa Quitéria, Santa Marinha, Santa Eufémia ou Santa Vitória, que são as mais conhecidas... Em cima numa bela representação de 1997, de António Mendanha, na igreja matriz de Forjães, com Marinha ao centro porque a igreja Lhe é dedicada.
A energia do nosso Jardim das Hespérides, uma dimensão
equivalente à de Avalon, é sustida, tal como acontece nessa Ilha Encantada, por
Nove Irmãs, por nove princípios femininos, profundamente relacionados com a paisagem,
as árvores, os animais, o tempo atmosférico. Elas mudam de forma, têm a
capacidade de se metamorfosearem, e a sua zoofania mais corrente é a Gralha de
bico vermelho. As nossas antepassadas e os nossos antepassados conheciam-nas bem e cultuaram-nas especialmente
em montes, como o de Santa Eufémia em Sintra, o de Santa Quitéria em Felgueiras
e vários outros. Águas sagradas de cura brotaram nos lugares onde, de acordo
com a lenda, as suas cabeças cortadas no martírio de que invariavelmente padeceram,
na Sua forma humana, vieram a cair. Em vários lugares são lembradas como
pertencendo a um grupo de Nove.
GRUPOS DE NOVE MUSAS
Dos mitos e tradições herdados da cultura celta faz parte a
crença na existência de grupos significativos de nove mulheres míticas.
Morgana, na Ilha de Avalon, com as suas oito irmãs, forma um desses grupos, que
na verdade, para investigadores como Stuart McHardy, podemos encontrar em
variadíssimas culturas do mundo inteiro, com a certeza de se tratar duma
instituição que terá tido um papel fundamental no desenvolvimento da própria
civilização humana. Montes e outros lugares sagrados com nove Musas foram
famosos na Grécia antiga, como é o caso do Monte Pierão, com as Piérides; da Fonte
Hélicon, com as Heliconíades; do Monte Parnaso, de onde eram originárias as
Parnásides; do Monte Aónia, das Aónidas; duma Fonte descoberta por Pégaso,
junto da qual viviam as Pegásides; do Monte Citéron, das Citérides; do Monte
Pimpla, onde viviam as Pimpleídes; do Rio Ilissos, com as suas Ilisíades; da
Fonte Castália, das Castálides; da Téspia onde habitavam as Tespíades e,
obviamente da Hespéria, nome pelo qual foi designada no passado a Península
Ibérica, no centro da qual existe um maciço ainda hoje designado por Hespérico,
e onde viviam e prosperavam as Hespérides!
Vários lugares sagrados com nove Musas existem entre nós,
como o Monte de Santa Eufémia, em Sintra, uma das portas de entrada nessa serra
sagrada, antigo lugar de celebração do Imbolc, onde existe uma fonte de cura,
hoje em dia seca e sem préstimo. Numa inscrição no azulejo da parede lateral da
ermida cristã, aí edificada sobre as ruínas dum templo romano, somos
informadas/os de que Eufémia era uma de nove irmãs. E de repente faz-se luz:
trata-se dum monte sagrado com Nove Musas! O mesmo ocorre no Monte de Santa
Quitéria, designado no passado por Monte Pombeiro, em Felgueiras, Braga, onde
segundo nos diz a lenda, esta entidade sofreu martírio e onde também nos é
lembrado que Ela era uma de Nove.
Em Meca, concelho de Alenquer, sucede a mesma coisa, tal
como no Gerês, ou na Serra da Ossa, no Alentejo. Na verdade, sempre que temos
uma capela dedicada a uma das Nove Irmãs, sabemos que estamos num lugar sagrado
semelhante àqueles onde na Grécia antiga, por exemplo, se ia receber a
inspiração e a sabedoria dispensadas pelas Musas, cujo número era de nove.
AS NOVE HESPÉRIDES
Foi na mesma altura em que estava completamente absorvida e
fascinada pela leitura de The Quest for the Nine Maidens (A Busca das Nove Donzelas),
cujo autor já referi, que chegou até mim um texto de Victor Adrião onde é
focado o grupo constituído por Santa Eufémia e as Suas oito irmãs: Liberata,
Germana, Eufémia, Marciana, Genivera (ou Genebra), Marinha, Bazília, Vitória e Quitéria. Nos Seus nomes notam-se influências greco-romanas, ou até fenícias (caso de Quitéria), resultado do contacto desses povos com a nossa cultura, de origem Celta. A marca dessa celticidade ainda prevalece no nome Genivera, que ecoa o da Rainha na lenda arturiana.
Afirma Kathy Jones, em Priestess of Avalon, Priestess of the
Goddess (Sacerdotisa de Avalon, Sacerdotisa da Deusa), que “[Essas Mulheres
divinas] são o princípio da sabedoria, que se manifesta na forma feminina para
benefício de toda a humanidade. Elas são assim as protetoras da sabedoria, que
nos acenam através da vibração e do som, ajudando-nos a vencer resistências no
nosso caminho espiritual e trazendo-nos experiências da realidade inefável ou
da graça divina. Elas ajudam ainda quem está a morrer a atravessar as portas da
morte. São conhecidas no Budismo como emanações da mente iluminada, que mantém
o propósito de procurar a iluminação não apenas para si própria mas para
benefício do todo”.
À semelhança das Nove Morgens de Avalon, e de muitas outras,
as Nove Hespérides abarcam todas as qualidades da Deusa, em todos os Seus
aspetos, de Donzela e Anciã, de Criadora e Destruidora, de Senhora da Vida e de
Senhora da Morte. Símbolos máximos da liberdade feminina, como as Dakinis
orientais, inspiradoras guardiãs do conhecimento, como as Nove Musas gregas,
elas dominam as sete artes liberais (Lógica, Gramática, Retórica, Aritmética,
Música, Geometria, Astronomia/Astrologia). Na história da Deusa, Elas são
famosas pela Sua força e talento, pela Sua beleza e sensualidade, pelos Seus
dotes para a música, o canto e a dança, pelas Suas capacidades de profecia,
pelo domínio das artes da cura e pela possibilidade de se metamorfosearem, de
mudarem de forma, e de influírem nas condições do tempo atmosférico, proezas de
que podemos encontrar eco nas nossas histórias antigas.
Esta instituição de nove mulheres, de nove sacerdotisas
principais, poderá ter sido a antecessora dos conventos e dos mosteiros de
religiosas e de religiosos. Viviam de preferência em lugares altaneiros, em
montes sagrados, como as várias capelas dedicadas a cada uma delas, existentes
ainda hoje em dia, nos dão testemunho, tal como várias lendas envolvendo certos
montes e serranias. À volta destas mulheres de saber, fundaram-se vilas e
cidades. Elas foram criadoras de civilização, dispensadoras do conhecimento
disponível, da ciência, das artes e dos ofícios, de cura e profecia, servindo a
Deusa no Seu Templo, vistas e sentidas muitas delas como a própria incorporação
da Deusa na sua forma humana, tal como algumas famosas Dakinis, as Bailarinas
do Céu do Tantra tibetano, ficaram conhecidas, por terem vivido como mulheres
com existência historicamente comprovada.
Em meditação, elas dançavam à beira do mar. Quando quis
saber o nome desse lugar,disseram-ne “Praia das Maçãs”… demorei uns segundos a
entender que o clássico tema céltico das “maçãs” estava no topónimo.
LIBERATA é a Hespéride do Samhain, relacionada com a Morte,
a Transformação e o Renascimento. Ela é a Grande Parteira, que ajuda a nascer
para esta e para a dimensão pós-morte. Na antiga Roma, havia uma Deusa com um
nome muito semelhante. Ela ajuda-nos a libertar da antiga forma, a deixar ir o
que está velho e sem préstimo, Ela ensina-nos tudo sobre o desapego e, tal como
a romana Liberia, Ela sabe tudo sobre como cuidar de quem está às portas da Morte.
Ela é a Senhora do Teixo e a Moura Anciã. As Suas criaturas são o Sapo, o
Corvo e a Coruja. Como tempo atmosférico, Ela é o raio e o trovão que por vezes
nos apavoram e que acompanham as tempestades que trazem águas da dissolução,
que ajudam a desfazer a antiga forma. A fase da lua a que Liberata está
associada é a Lua Balsâmica, que acontece três dias depois da Lua Minguante.
Ela convida à transformação, ao desapego daquilo que não é bom para nós.
GERMANA é a Hespéride do Solstício do Inverno (Yule). É Ela
a mais velha das nove Irmãs. Muito secreta e reservada porque está além da
forma. Embora a tradição nos diga que Ela era uma Santa como as Suas oito
irmãs, é difícil encontrarmos um lugar de culto a Ela dedicado. Ela conhece os
segredos das estrelas e do cosmos, É a Senhora do Pinheiro, a Moura Tecedeira, a
Senhora da Roca – Aquela que tece os fios do destino. As Suas criaturas são a
Águia e o Abutre. Como tempo atmosférico, Ela é o gelo e a geada que tudo cobre
no inverno limpando as terras de parasitas. Ela é Sabedoria, Visão e
Clarividência. Ela é também a Lua Negra, que acontece três dias antes do
primeiro dia da Lua Nova, como um tempo de pousio, de recolhimento e de sonho,
de transição entre a morte do que completou os seus dias e o crescimento do
novo.
EUFÉMIA, A Hespéride do Imbolc, é a mais nova das Irmãs.
Senhora da eloquência, protectora da garganta, da voz e da comunicação (ver “eufemismo”).
Senhora da Oliveira e Senhora da Luz. É cultuada em montes sagrados, como na
Serra de Sintra, no Monte de Santa Eufémia, guardiã da entrada na sacralidade
da Serra da Lua. Senhora das Águas de cura, como as da fonte que aí se encontra.
Ela é a Moura Menina. Os Seus animais totémicos são a Cegonha, o Cisne e o
Lobo. Ela é a Lua Nova dos novos começos, sua é a pureza, a inocência, a
alegria, a confiança e a excitação de estar viva/o neste mundo. Como tempo
atmosférico, ela é a neve que em fevereiro cai nos lugares mais altos.
MARCIANA é a Irmã de Ostara, o Equinócio da Primavera. Ela
mantém o Fogo da Primavera, da Fertilidade, da Kundalini, da Coragem e do
Entusiasmo e é a Senhora da Aveleira e a Cobra Moura. Marciana relaciona-se com
a energia do Urso, do Lince, do Gineto, da Lebre e do Coelho, do pica-pau
verde, das Salamandras e dos Dragões do Fogo. Como fase da lua, Ela é a Lua
Crescente, que simboliza os novos rebentos, aquela que precisamente traz
atividade e crescimento. Como tempo atmosférico, Ela é a luz do sol, que em
março começa a ser cada dia mais intensa.
GENIVERA ou GENEBRA é a Hespéride de Beltane que nos ensina
todas as artes do Amor e do Prazer e é conhecida precisamente entre nós como a
Senhora dos Prazeres. A Sua graça e beleza são enfatizadas quando é chamada
Senhora das Flores, e enquanto Deusa da Fertilidade, também é invocada entre
nós como a Senhora dos Campos e como Maia, a Rainha de Maio. Ela é a Moura
Amante (vulgo “Sedutora”), a que aparece a pentear os cabelos com pente e
espelho de ouro. É também a Senhora da Soberania da terra, ensinando-nos tudo
sobre limites e fronteiras nos nossos relacionamentos. Genivera está conectada
com os Cavalos e as Éguas, as Andorinhas e os bandos de pequenos pássaros que
se movem no céu como se fossem um só corpo. Como tempo atmosférico, Ela é a
nuvem e Seus são os nevoeiros que especialmente na zona Oeste, favorecem o
crescimento das maçãs, o seu tom avermelhado e a sua especial doçura. Como fase
da Lua, Ela é a Lua Convexa, que acontece três dias após a Lua Crescente e que
convida à expressão através dos sentimentos.
MARINHA é a Hespéride de Litha, o Solstício de Verão, a
Hespéride da Água, a Mulher Marinha, a Sereia das nossas origens, e a Moura das
Fontes e a Senhora do Lago ou da Lagoa da nossa tradição. Como tempo
atmosférico, Ela é a chuva e a sua árvore é o Sabugueiro. Como fase da Lua, é a
Lua Cheia, que nos fala de plenitude e de realização, quando as nossas emoções
estão no auge e estamos mais ligadas ao inconsciente e todas as potencialidades
da nossa natureza humana estão mais ativadas. Marinha é a Senhora do
Sabugueiro, as suas criaturas são as Baleias, os Peixes, as Ondinas, as
Lontras, as Ninfas, as Sereias, os Dragões das Águas, bem como a Garça.
BAZÍLIA é a Hespéride de Lammas, que nos ajuda a sentir
criativas e criadoras e a cuidarmos com autoridade e responsabilidade das
nossas criações. Ela é a Moura Mãe e Parteira. Como fase da lua, Bazília é a
Lua Disseminante, que acontece três dias após a Lua Cheia. Ela simboliza o
fruto maduro, pronto a ser colhido, e convida-nos à autoavaliação, tendo em
conta a nossa colheita. Como tempo atmosférico, Ela é o calor intenso do verão.
A Sua árvore é o Freixo, uma das mais importantes da nossa tradição e em
algumas culturas considerada como a própria Árvore do Mundo. As suas criaturas
são os animais que nos ajudam a ter riqueza, como as ovelhas, as vacas e as
cabras domésticas, mas também a Corça Branca, e a Poupa é sua ave.
VITÓRIA é a Hespéride de Mabon, o Equinócio de Outono, é a
Moura guardiã dos tesouros do interior da Terra, as pedras e os metais
preciosos que já foram tão abundantes no nosso território, e o Seu culto
permaneceu entre nós como Senhora da Vitória ou Santa Vitória. Ela é a Senhora
da Azinheira (Quercus Ilex), com
relação com todas as árvores da família Quercus, como o Sobreiro e o Carvalho. Como
fase da Lua, Vitória é a Lua Minguante, que simboliza a última colheita, antes
que a morte sobrevenha, criando espaço para a nova vida. Ela convida-nos ao
recolhimento, que nos ajuda a prepararmo-nos para aceitar a mudança. Como
tempo atmosférico, Vitória é o Vento, sempre tão abundante entre nós, que faz
cair as folhas no outono, que contribui para a polinização, que modela o relevo
e nos dá energia. Vitória é
a Rainha protectora do território e é a própria terra. Como Protectora, ela lembra-nos
que numa guerra não existem vencedores nem vencedoras, e que a paz se constrói
quando nos asseguramos de que toda a gente tem o suficiente para viver, e não
apenas nós, que os interesses de todas as partes estão assegurados. Ela traz-nos
coragem, generosidade, desapego, altruísmo, enfoque no bem maior, na criação de
sustentabilidade. Ela ajuda-nos a compreender que a verdadeira segurança
resulta de confiarmos no processo da vida e de acreditarmos que existem
recursos suficientes para todas/os e que querer apoderar-se de mais do que
aquilo de que necessitamos é apenas um sintoma de imaturidade.
As Suas criaturas são o Javali, o Furão e o Texugo, os Elfos e os Gnomos e os Dragões da Terra, bem como o Gaio.
QUITÉRIA, cujo nome A relaciona com um dos títulos da Deusa
fenícia Astarte (Kythere, Kyteria ou Kuteria, a Vermelha) ou com a Deusa grega Afrodite,
nascida na ilha de Cytherea, é a Hespéride do Centro, Senhora da Beleza, da
doçura e das delícias do nosso Jardim Dourado. Na sua festa no Monte de Santa
Quitéria, que já se designou por Pombeiro, lembrando-nos que a Pomba é
precisamente uma das Suas criaturas, as mulheres oferecem-lhe cestos cheios de
flores e usam a cor vermelha em grande profusão. Ela é a guardiã dos mistérios
das Mouras Encantadas do nosso território. Sem dúvida que a energia da Hespéride Quitéria
reforça no nosso território a dimensão amorosa, erótica, prazenteira, calorosa
e sensual, que é central num paraíso, num Jardim como o das Hespérides, um
lugar de delícias. Os Seus dons de cura são igualmente imensos como nos atesta
uma instituição que subsistiu em Meca, perto de Alenquer, até há relativamente
poucos anos, talvez até meados do século XX, conhecida como Irmandade de Santa
Quitéria. Os membros dessa instituição iam anualmente de terra em terra,
distribuindo, a troco de donativos, pequenos pães sagrados, que se guardava
religiosamente em casa, por terem o poder de proteger os cães contra a raiva.
Quitéria é a Senhora da Macieira e suas criaturas são a
Pomba e o Cão.
Fonte: A Deusa do Jardim das Hespérides, Luiza Frazão