Dia de empacotar o novo lote de incenso preparado no primeiro dia do ano. Consagrado às Deusas do Jardim das Hespérides e às suas Nove Irmãs divinas. Meio inebriada pelo odor, pela beleza visual, pela alegria de assim louvar a Deusa, expressar-lhe o meu amor. Momentos em que sinto a minha Sacerdotisa antiga, primordial, o meu Self-Sacerdotisa, aquela que serve a Deusa e o Seu Templo, bem próxima, una comigo; cedi-lhe o meu lugar. Na minha alma e coração, nas minhas mãos, sou ela.
Foi ela que, devagar, repetiu os gestos das
suas ancestrais; ela que calcorreou os caminhos de terra, sobre as pegadas das
antepassadas, farejando, adivinhando, deixando-se cativar pelas ervas, pelas árvores, pelos frutos e flores onde ficou retido o poder telúrico, o calor
radiante, o sopro do vento, as bátegas de água, espanto e significado, glória de
prados onde cantam aves, rastejam répteis, se desfazem as cascas eclodidas de
todos os ovos donde os pássaros saltaram para dentro da Primavera. E a Vida brotou. Foi ela que vagueou por paisagens fustigadas pela ventania, encharcadas de chuva, varridas pelas enxurradas, purificadas pelo gelo e pela geada das madrugadas brancas do
Inverno; ela que atravessou caminhos antigos, bordeando laranjais de legenda, repletos de frutos onde a
memória do calor e da luz do alto Sol estival permanece retida, esconjuro contra
o olvido. Foi ela que colheu da medicina de pomares de macieiras bravas, do
olival centenário, de encostas recobertas de matagais rasteiros e odorados de
mel, do intenso eflúvio floral que ascende da terra arfante abrasada do Verão.
Essa alquimia, essa fragrância de êxtase eu te ofereço,
Deusa, Senhora da Terra, no Teu altar, no altar do coração de cada mulher e de
cada homem que aqui Te procura em devoção, para que se abra esse portal divino onde
o meu amor encontra o Teu e contigo eu regresso a casa.
Sacerdotisa Luiza Frazão