sábado, 18 de fevereiro de 2023

Em honra na próxima Conferência da Deusa Portugal 2024 - Deusa Iccona Loimina

Na nossa próxima Conferência da Deusa Portugal, que  acontecerá entre 10 e 12 de Maio de 2024, vamos celebrar a Deusa Amante e a energia de Beltane. 

Nesse festival, na nossa Roda do Ano da Deusa, está em honra Iccona Loimina, a Deusa Égua, a Égua branca, à semelhança de Epona, de Rhiannon ou Rigantona, cujo nome significa Grande Rainha. Ela é uma das nossas Deusas de Beltane, Deusa da Soberania da terra, da Fertilidade, da Sensualidade e da Sexualidade. Na Sua zoofania da Égua, ela representa a nossa natureza selvagem e indomável de mulheres. Ela é ainda uma Deusa psicopompa, Aquela que cavalga entre mundos, que, tal como Rhiannon, conduz a alma na sua última viagem até ao outro mundo. Na verdade, com a Deusa do Amor e da Sexualidade tanto vamos ao inframundo, onde enfrentamos a dor da perda das nossas ilusões amorosas, como aos céus em fantásticas experiências, que podem ser de fusão com a pessoa que amamos e com quem podemos vislumbrar as estrelas em orgasmos de cósmica dimensão.


Lugares da Deusa ICCONA LOIMINA

Uma referência à Deusa Iccona Loimina, uma oferta feita a esta Deusa, é mencionada na famosa inscrição do Cabeço de Fráguas, um dos Seus sítios de poder, portanto, que precisamente fica situado no lugar de Cabeço da Senhora dos Prazeres, freguesia de Benespera, concelho da Guarda.

 (Fonte: A Deusa do Jardim das Hespérides, Luiza Frazão)

Iccona-Loimina  segundo a academia

“São diversas as interpretações sugeridas pelos distintos investigadores que se dedicaram ao estudo do teónimo. J. Gil143; D. Maggi144; Witczark145 e Blanca María Prósper146, em exemplo, propõem a correspondência entre Iccona e a divindade céltica Epona, conhecida em outras regiões peninsulares. A relação que se estabelece no contexto religioso indoeuropeu entre divindades hipomórficas e atributos ligados à fecundidade é manifesta147, podendo, por conseguinte, sugerir uma relação entre Iccona e uma função ligada à fertilidade, justificando-se assim a oferta que lhe é prestada, em Cabeço das Fráguas, de um animal prenhe148.”

Diz-nos Daniela F. de Freitas Ferreira, em Memória Colectiva e Formas de Representação do (Espaço) Religioso, Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Mas a partir daqui as dúvidas da autora desta tese académica são variadas e ela acaba por pôr em causa a relação que Blanca María Prósper estabelece entre Iccona e Epona…

Fonte: https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/18921.pdf

Porém, numa recente pesquisa online acabei por encontrar um comentário muito interessante e válido dum investigador espanhol.

Eis o comentário e o pequeno diálogo que estabeleci com o seu autor:

Javier T. Rios - “No debería llamarse * ekwona , dado que los céltiberos eran celtas-q y no celtas-p? Creo que la forma "epona" está atestiguada en galo, está esta forma con "p" atestiguada en la península ibérica?” (Não deveria ser chamada de *ekwona, já que os celtiberos eram celtas-q e não celtas-p? Acho que a forma "epona" é atestada em gaulês, essa forma com "p" é atestada na Península Ibérica?)

Eu - Em Portugal existe uma inscrição a Iccona (Iccona Loimina), em Cabeço de Fráguas, distrito da Guarda, que algumas pessoas creem que poderámestar relacionada con Epona.

JTR – Obrigado pela informação.

Lembrando de resto que o cavalo pertence à família dos equídeos. 

Sobre Epona

“Eu invoco Aquela que é o livre empoderamento e manifestação da terra sagrada, o ponto imóvel dentro do movimento, a batida do coração da Terra e a batida do casco do coração.

Amada Epona; Deusa Cavalo da soberania e liderança, da resistência, iniciação e capacitação.

Senhora Liminal, Criadora Cósmica de todas as jornadas, incluindo aquelas através dos véus da morte e do renascimento, pois Teu é o útero-túmulo da criação e da destruição.

Grande Deusa, Rainha Soberana da sexualidade, da transformação, da alegria abundante e da liberdade, vem falar-nos dos Teus caminhos para que possamos conhecer-Te."

"A Deusa europeia Epona, uma Deusa central, definidora e unificadora da cultura e dos povos celtas, é um nome de origem gaulesa para a antiga Deusa Cavalo das e dos nossos ancestrais da Idade da Pedra e do Bronze. Eles A viam como a Grande Mãe liminar, o ventre-túmulo da vida, morte e renascimento, e como sua Rainha Soberana, não limitada às terras tribais imediatas, mas como a fonte, ou Deusa, da Soberania sobre um território muito maior.

Muito antes de Ela receber a forma humana, as culturas xamânicas europeias reconheceram a Sua forma de equídeo ctónica (= da terra) como mágica. Capaz de cruzar e transcender os limites de lugar e espaço, de diferentes dimensões, Ela tornou-se a guia através dos portais entre reinos ou mundos.

O cavalo como símbolo era emblemático da Deusa do útero-túmulo e da Sua sabedoria. Ela é a Mãe fértil, constante como o Sol e a Terra, formando e dando à luz a totalidade da vida, nutrindo e provendo, com uma abundância proveniente do submundo, que faz parte do Seu reino, parte de Seu grande ciclo de vida, morte e renascimento. Ela transportou-nos para, através de e para fora do inframundo.

Na Velha Europa, a sua forma de casco crescente yónico foi esculpida nas paredes da caverna de iniciação do parto para trazer proteção e orientação. Ligada à lua e aos mistérios do sangue da fertilidade, nascimento e morte, a Deusa Cavalo também foi associada às (nascimento)-águas da vida e como guia para os mistérios e iniciações, para o bem-estar e maior integridade. Ela era uma porta de entrada para os reinos ancestrais de onde a vida retornava, pois novas plantas crescem a cada ano na terra após o fim do inverno. Ela também estava ligada ao nascer do sol de inverno, a época do renascimento do sol, que Ela, como Cavalo Solar, representava e ao mesmo tempo dava à luz.


Com o passar do tempo, as pessoas viram Epona como o Cavalo Estelar das constelações que giram a grande roda do tempo. Ela se tornou a Grande Deusa do cosmos e das estações, dos espaços liminares entre os reinos, do poder, da virilidade e da fertilidade, das águas curativas das nascentes que surgem do submundo, da iniciação, do sol e da abundância, da liberdade, da honra, coragem, soberania e união sagrada.

A antiga Deusa Cavalo, no entanto, tinha uma natureza andrógena: ela era vista como Égua Divina, Potro/criança Divina, bem como Garanhão Divino. Continuando a partir da antiga visão de mundo centrada na Deusa, o parente andrógino da Deusa Cavalo, que se tornou conhecido por nós como Epona, se baseia na linha arcaica da mitologia, voltando ao mais antigo relato escrito da Criação na antiga Suméria, que se tornou o práticas mitológicas e rituais da União Divina.” 

Fonte: Katinka Soetens (Sacerdotisa de Rhiannon)

Imagens:

1. Arte de  EJ Lazenby http://www.animalfineart.co.uk/

2. Inscrição de Cabeço das Fráguas http://www.portugal2050.com/visite/guarda/cabe%C3%A7o_das_fr%C3%A1guas?p=49e3a0c5-fc0c-42d0-ae56-006df881c9f1&c=e9ceb0ed-af1e-4d6d-9f23-a81839e67213pona, 3o. séc. A.C., de Freyming (Moselle), França (Museu Lorrain, Nancy)

Imagens Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Epona

3. Epona, 3o. séc. A.C., de Freyming (Moselle), França (Musée Lorrain, Nancy)

4. Epona e os seus cavalos, de Köngen, Alemanha, cerca de 200 a.C.

5. Um apoio de Epona, flanqueado por dois pares de cavalo, da Macedónia Romana



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

LENÇO DE NAMORADAS - Artefactos das Mulheres, Artefactos da Deusa

 

Há uns tempos, dinamizei um workshop, incluído numa celebração de Beltane do Templo, cuja actividade central consistia na criação dum Lenço de Namorados, que é um artefacto muito da nossa tradição (mas não só), realizado em tempos pelas mulheres do Minho, mais precisamente de Vila Verde, para oferecem ao eleito do seu coração. A autora era muitas vezes uma rapariga do campo, pouco letrada, que sobre o tecido de linho bordava versos singelos, escritos em má ortografia (erros em que certamente o rapaz também não teria muitas condições de reparar…) e desenhos ingénuos.

Hoje em dia essas prendas de enxoval são consideradas obras de arte popular, muito apreciadas e valorizadas, e com razão, replicadas e vendidas no mercado a preços muitas vezes proibitivos. Mas na altura, tendo em conta que o nosso primeiro compromisso deve ser connosco mesmas, antes de nos comprometermos seja com quem for, para não nos dissolvermos, digamos, na relação, tive a ideia - e concretizei-a com um grupo de mulheres por Beltane - de juntas concebermos um lenço pessoal, que funcionasse como o garante material de um compromisso assumido antes de mais connosco mesmas.

Nunca esquecerei essa actividade tão sagrada, e ao mesmo tempo divertida, e tenho o meu lenço de bolso pessoal religiosamente guardado para ocasiões especiais.

E que ocasiões podem ser essas em que, em algumas partes do mundo, como na Grécia actual, as mulheres continuam a usar os seus lenços de bolso como símbolos sagrados e muito arcaicos do seu poder pessoal, do seu poder de criar e de liderar?

Um artigo sobre este tema dos lenços que encontrei há dias numa revista online responde a essa questão. A autora, Laura Shannon, fala-nos da forma como estes itens eram vistos por sociedades matrifocais do passado que cultuavam a Deusa. Eles representavam uma espécie de prolongamento, ou de representação da própria mão da Deusa. Sabemos do poder deste membro divino pela importância que continuamos a dar à famosa mão Hamsa, a Mão de Fátima, ou de Maria, usada por tantas pessoas no mundo como um poderoso talismã de protecção.

Essa mão da Deusa, que por vezes ostenta uma decoração em forma de vulva, diz-nos a autora, remete precisamente para os Seus divinos poderes criadores e protectores. E a autora cita o exemplo da Grécia actual, com as suas danças tradicionais de mulheres em que este artefacto funciona para elas como um símbolo de poder pessoal e de liderança. A mulher que comanda os movimentos da dança, usa-o na mão e depois passa-o à mulher que a revezará nessa função. Na realidade, esse poder de dirigir a dança será partilhado pelo grupo de mulheres, e é através da passagem do lenço de mão para mão que essa partilha se concretiza:

“Na cultura da dança ritual feminina, toda a mulher deve ser capaz de orientar o círculo de dança no momento apropriado. Entre outras coisas, o seu lenço significa a sua disposição de assumir o papel de comando quando for a sua vez – na dança e na vida – e mostra que a sua comunidade pode contar com ela sempre que necessário. Desta forma, o lenço, sempre presente nas roupas folclóricas das mulheres, comunica os antigos valores europeus de apoio mútuo, responsabilidade coletiva e liderança partilhada que são tão centrais para a cultura da dança tradicional”.

 Nas palavras de Laura Shannon, “Na Grécia de hoje, as mulheres fazem o seu mandíli com intenção de oração, não muito diferente de outras tradições sagradas da arte popular, como os rushnyky, panos rituais bordados pelas ucranianas. Normalmente, o mandíli é branco, orlado com bordados, rendas, missangas ou lantejoulas para proteger quem o usa de energias negativas ou do 'mau-olhado'. Às vezes, o mandíli apresenta símbolos concretos, como esta figura bordada da Deusa/flor com raios de sol vibrantes no lugar da cabeça e das mãos.

E conclui:

“Quando dançamos as danças antigas, descodificamos os símbolos sagrados e assumimos o papel de liderar, afirmamos o nosso próprio poder inato de trazer um novo modelo de liderança a um mundo que precisa urgentemente que avancemos nesse sentido. Quando conduzo a dança com um mandíli na mão, sinto que estou hasteando uma bandeira esquecida de uma nação de mulheres há muito perdida – mulheres que um dia souberam tecer, trabalhar e adorar juntas, com confiança e alegria. E o mandíli afirma que ainda nos lembramos”.

Na verdade, os lenços de bolso têm uma muito longa e rica história de uso em épocas mais recentes, em várias partes do mundo, nomeadamente para a comunicação secreta entre as e os amantes*. No entanto, faz todo o sentido aprofundarmos o estudo da sua origem e integrá-los na antiga cultura da Deusa que agora com tanto entusiasmo regatamos e que lhes deu origem.

Isto pode então dar aos Lenços de Namorados portugueses de Vila Verde, no Minho, toda uma outra contextualização e sentido, e a questão que surge é: Será que a ênfase actual no papel exclusivo deste item como um “lenço de namorados” não espelha exatamente o que enquanto mulheres temos feito com o nosso poder pessoal na cultura onde vivemos?

Entretanto, muitas imagens de trajos tradicionais portugueses, como esta que aqui apresento, mostram-nos as mulheres usando lenços na cintura. Por certo eles são considerados apenas "de namorados", mas a verdade é que o seu significado parece ser bem mais arcaico e poderoso.

Tal como afirma a autora deste artigo, acho que vale muito a pena resgatarmos o antigo e poderoso significado que as nossas antepassadas deram um dia a estes artefactos sagrados da Deusa!

© Luiza Frazão, Sacerdotisa responsável pelo Templo da Deusa de Óbidos


Poderá encontrar aqui o artigo original de Laura Shannon:

https://feminismandreligion.com/2023/02/09/womans-sacred-hand-and-handkerchief-by-laura-shannon/

*https://www.dailysabah.com/feature/2016/02/19/handkerchiefs-the-secret-language-of-love,


Imagem 2 https://www.sapatosnamorarportugal.com

Imagem 5: http://trajesdeportugal.blogspot.com

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