Wendy Andrew |
A espiritualidade da Deusa é uma experiência de completude, de altos e
baixos. A Deusa abrange tanto a criação como a destruição, positivo e negativo,
tal como está expresso no símbolo chinês do yin e do yang que descreve o
contínuo equilíbrio entre os opostos. Ela é a vida e o tempo da abundância
estival, mas também a morte e a decadência do outono. Ao morrerem, as plantas
caem à terra formando o escuro composto no qual a vida germinará uma vez mais
na primavera. Ao contrário das religiões patriarcais que focam a sua adoração
na Luz, sublimando a Escuridão, demonizando tudo o que não é Luz, associando-o
ao mal. A espiritualidade da Deusa tanto abrange a Luz como a Escuridão,
considerando cada uma destas qualidades como essencial para a existência da
outra.
No mundo natural, que é um espelho no qual a natureza da Deusa se torna visível, toda a vida nasce da escuridão, a escuridão da terra, do útero, da noite. Não existe regeneração sem escuridão, renascimento sem morte. Todos os belos cristais do mundo são criados na escuridão do interior da terra. Toda a vida animal e humana é gerada na escuridão do útero da mãe. Sentimos regeneradas a cada manhã após as horas de escuridão em que fechámos os olhos à luz e dormimos. O nosso mundo move-se para a escuridão ao cair da noite e renova-se a cada manhã pela ação dos raios solares. A escuridão traz repouso e renovação. Esquecemo-nos destas verdades tentando anular a escuridão com as nossa iluminação elétrica continuando a luz pela noite dentro, focando-nos na luz nos nossos esforços para ignorarmos a nossa própria escuridão.
A Deusa Negra é uma iniciadora e uma “embusteira”. Ela inicia o novo muitas
vezes com algum truque, embuste ou algo que se apresenta como uma má ação. Ela
é a Velha e habitualmente hedionda bruxa que aparece nos contos de fadas,
oferecendo uma maçã muito bela e vermelha
mas envenenada, que inicia as raparigas que se transformam em mulheres.
Ela é a Madrasta Malvada, que trama a nossa desgraça e nos ensina a lidar com
as emoções alheias assim como com as nossas para que possamos crescer e entrar
na idade adulta. Ela é a Velha Bruxa medonha que pode lançar sobre nós os Seus
feitiços por cem anos ou mais.
[…]
O encontro com a Face Negra da Deusa
é uma parte vital da nossa jornada para nos tornarmos Sacerdotisas. Ela vai
levar-nos até às Suas profundidades, ao encontro dos nossos medos mais obscuros
e das nossas dores mais recônditas. Temos de aprender a estacionar nesses
lugares onde a verdadeira transformação ocorre, nas profundidades da nossa
parte sombra. Pessoalmente, tive alguma resistência em aceitar que as mais
completas transformações resultam da ação do sofrimento. Protestei contra Ela.
Por que não pode tudo isto ser mais fácil? Por que é que a transformação não
pode acontecer na alegria? Bem, também pode acontecer, há muitas transformações
que ocorrem pela ação da Luz, mas muitas e muitos de nós nestes tempos temos
grandes dilemas internos para resolver. Vivemos em duras e desoladas paisagens
urbanas, experienciamos o deserto emocional nas nossas vidas, falhamos
terrivelmente segundo os nossos próprios critérios, que importam os das outras
pessoas, antes de sermos forçadas das profundidades da nossa dor a mudar de
direção, a renascer, a encontrar a verdadeira vida.
A nossa resistência à mudança, o nosso teimoso apego, quando deveríamos
deixar ir aquilo que achamos que somos, é um sinal da nossa força interior
trabalhando contra nós em vez de a nosso favor. A nossa desesperada necessidade
de sobreviver a todo o custo é instintiva e autoprotetora, mas está lá para ser
adoçada pela Sua amorosa e constante presença, forçando-nos a enfrentar o âmago
da nossa própria sombra. A Deusa Negra pede-nos rendição aos Seus poderes de
transformação.
A presença da Deusa Negra estimula os nossos medos e dores, mortes e
perdas, estimulando a nossa jornada rumo à mudança. Ela traz-nos tragédia,
traição e perda da confiança. Ela ensina discriminação, discernimento e a
natureza da criatividade. Ela ajuda-nos a fortalecer a nossa resolução interna
de seguir o caminho da alma. Acima de tudo, Ela ensina-nos a sentir compaixão
por nós mesmas e por todas as pessoas em sofrimento.
ENCARANDO A SOMBRA
Na nossa formação de sacerdotisas a Senhora Negra irá colocar-nos face a
face com aspetos da nossa sombra que estão fora do alcance da nossa mente
consciente por serem demasiado penosos e duros de recordar. Isso inclui
memórias acidentes traumáticos, de abuso, maus-tratos, raiva, tanto sentida por
nós por alguém como sentida por alguém em relação a nós, vergonha, dor, culpa,
mágoa. Estas memórias podem estar escondidas, mas isso não significa que não
mais nos afetam. O nosso comportamento é determinado tanto pelas nossas
intenções conscientes como pela necessidade de protegermos estes nossos aspetos
Sombra. A nossa jornada de sacerdotisas vai acabar por trazer à superfície
estas memórias dolorosas do nosso inconsciente para serem curadas e melhor
podermos aceder ao nosso verdadeiro eu.
À medida que estas memórias esquecidas podem começar a surgir, por vezes
pela primeira vez desde há muitos anos, as emoções dolorosas a elas associadas
são muitas vezes projetadas sobre outras pessoas, tutoras, tutores, colegas,
familiares e pessoas amigas, quem quer que na altura estiver por perto.
Recriamos os cenários dolorosos do nosso passado, dando-lhe novas formas, e
projetamos os nossos sentimentos inaceitáveis sobre outras pessoas. A vida
torna-se desafiadora quando exprimimos as nossas emoções recalcadas de forma
não apropriada, projetando-as em pessoas que não as causaram mas que estão
agora a pressionar esse botão. Na nossa jornada sacerdotal aprendemos a
autorreflexão, bem como a tomar consciência daquilo que está a acontecer
connosco quando nos encontramos em conflito com pessoas à nossa volta, quando
criticamos, culpamos e atacamos outras pessoas projetando nelas a nossa Sombra.
Em si mesmo, o treino duma sacerdotisa é principalmente uma jornada
cerimonial, que desperta e desenvolve a aspiração espiritual, criatividade e
conexão com a Deusa. Não se trata de psicoterapia, embora seja um catalisador
de mudança em todos os aspetos da personalidade à medida que nos abrimos à
Deusa e nos sentimos mais autoconscientes e empoderadas. Podemos tomar
consciência de feridas que precisam de cura e precisamos de contar com isso.
In Priestess of Avalon, Priestess of the
Goddess, Kathy Jones