quarta-feira, 19 de outubro de 2016

MARIA MADALENA EM ALCOBERTAS - A CONTINUIDADE DA RELIGIÃO DA DEUSA


Perto de onde vivo, existe este fenómeno notável da continuidade do uso religioso dum dólmen neolítico. Fica na aldeia de Alcobertas, que por sua vez fica no Parque Natural da Serra dos Candeeiros, e é dedicado a Santa Maria Madalena. No século XVI, foi construído um templo cristão contíguo ao dólmen, porque, reza a lenda, a própria Maria Madalena, após a destruição do antigo monumento para construir o novo, ela própria o reconstruiu. E fê-lo de todas as vezes que as pessoas o desmancharam, de tal forma que estas acabaram por deixá-lo de pé, erigindo um altar no seu interior. 
Para lá penetrarmos, temos de passar por dentro da igreja e todo o conjunto está dedicado à Santa, embora sobre o altar também se encontre uma imagem de uma outra Santa, Ana, na verdade uma representação da Deusa mais ancestral do nosso território, Dana, Danu. 

Achei delicioso o que está escrito numa placa comemorativa das obras realizadas há pouco tempo: "(...) esta Igreja Paroquial de Alcobertas dedicada a Deus com o título de Santa Maria Madalena (...). 

Outras versões da lenda afirmam ainda que a mesma Santa transportou as pedras da Serra da Lua ( também existe aqui no Parque uma Serra da Lua, sim). E outra versão diz que foi Ela que "fez nascer as pedras neste local para as/os crentes poderem expiar os seus pecados".


Isso é tanto mais interessante quanto, para algumas e alguns pesquisadoras/es (entre @s quais Artur Felisberto, blogue Numância), é como se o culto de Maria Madalena tivesse subsumido todo o legado suprimido da antiga Deusa. Enquanto "pecadora", é como se ela tivesse tomado sob a Sua alçada e proteção tudo o que pertencia à antiga religião. Esta teoria faz sentido quando visitamos este antigo lugar onde sabemos que a Deusa foi cultuada dedicado agora a Maria Madalena, que aí está por 3 vezes representada, em dois painéis de azulejo e numa escultura muito primitiva na fachada da igreja.

Jane Meredith, entretanto, em Journey to the Dark Goddess, considera que Maria Madalena surge por vezes na lista dos avatares da Deusa Negra, a par de Kali, Ereshkigal, Keridween, Hécate, Medusa, Morrigan, ou da Black Annis. E a verdade é que Ela lá está, em Alcobertas, num lugar que é antes de tudo o mais um monumento funerário, onde por milhares de anos o povo honrou os seus antepassados e as suas antepassadas​​... um lugar onde, segundo se diz, um monumento pagão foi incorporada a outro cristão por "inteira responsabilidade" de Santa Maria Madalena.

Fontes consultadas:
 Jane Meredith, Journey to the Dark Goddess

Imagens Google - Na terceira, os estranhos buracos fazem pensar, entre outras, na hipótese de terem sido feitos para colocar oferendas e/ou velas acesas, ou então pelo raspar do pó da pedra usado para fins mágicos.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

VALE DO LAPEDO - ANTIGAS FORMAS DE HONRAR A MORTE NO NOSSO TERRITÓRIO



SAMAIN aproxima-se...

O corpo foi embrulhado numa mortalha tingida com ocre vermelho e estendido na fossa, de costas e ligeiramente inclinado para a parede do abrigo. Junto ao pescoço foi recolhida uma concha tingida a ocre, que deveria fazer parte de um colar, e quatro dentes de veado na cabeça, que poderiam fazer parte de uma espécie de touca. A criança foi ainda enterrada com oferendas de carne de veado e com um filhote de coelho como última oferenda. Na cerimónia foi ainda queimada uma rama de pinheiro.
 
A mais antiga sepultura que se conhece em Portugal, e uma das mais antigas do mundo, a única do Paleolítico Superior até agora descoberta na Península Ibérica, com 24.500 anos, foi encontrada no final dos anos 90 no Abrigo do Lagar Velho, no Vale do Lapedo, junto da cidade  de Leiria. Pertencia a uma criança com entre 4 e 5 anos de idade, referida como o Menino do Lapedo, embora seja impossível determinar o seu género. Por isso prefiro chamar-lhe muito simplesmente a Criança do Lapedo. O fóssil desta criança, entretanto, revelou-se de extrema importância para o meio científico porque aparenta ter nascido do cruzamento do Homo (ou Femina) neanderthalensis com um Homo sapiens, o que revelaria que espécies diferentes de humanoides poderiam ter-se cruzado entre si e gerar descendentes. 

A hipótese de que os Neandertais desapareceram, não por extinção, mas por interacção entre eles e os Cro-Magnons, tendo sido assimilados, parece tornar-se plausível graças a esta descoberta. O sepultamento da criança, entretanto, foi feito de forma cerimonial uma vez que foi escavada uma pequena fossa e queimado um ramo de pinheiro. O corpo foi embrulhado numa mortalha tingida com ocre vermelho e estendido na fossa, de costas e ligeiramente inclinado para a parede do abrigo. Junto ao pescoço foi recolhida uma concha tingida a ocre, que deveria fazer parte de um colar, e quatro dentes de veado na cabeça, que poderiam fazer parte de uma espécie de touca. A criança foi ainda enterrada com oferendas de carne de veado.

Sabemos que a partir do 5º milénio a.C., as sociedades de pastores e agricultores construíram monumentos funerários, as ou dólmenes, de que são exemplo as antas de Belas e os sepulcros Megalíticos dos arredores da Figueira da Foz. A maior parte dos monumentos megalíticos que se conhecem em Portugal são sepulturas. Apresentam uma câmara poligonal de 5, 7 ou 9 esteios, cobertos com uma grande laje ou chapéu, um corredor de comprimento variável, com esteios mais pequenos e também cobertos com lajes, numa nítida representação do útero da Deusa que acolhe as Suas filhas e filhos na morte. Do século III AC, no Calcolítico, no sul do país a construção megalítica é substituída pela técnica de falsa cúpula, dando origem às chamadas tholos, que podemos ver na necrópole de Alcalar, concelho de Portimão, um monumento funerário muito semelhante a Newgrange, na Irlanda.
Também as mamoas, designação dada pelos ocupantes romanos a estas sepulturas megalíticas monumentais, semelhantes a um seio de mulher, também usadas pelas comunidades neolíticas para enterrarem as suas mortas e os seus mortos. Estes monumentos funerários devem ter tido um significado simbólico importante e devem ter sido sobretudo «túmulos para os vivos», como disse um autor britânico (tomb for the living). Ou seja, destinavam-se provavelmente mais aos vivos do que aos mortos. E é possível que cada núcleo ou grupo de mamoas correspondesse aos antepassados míticos de uma determinada família ou linhagem, facultando-lhe uma referência para a sua identidade, leio na Wikipedia, onde também se afirma que “O dólmen, escondido debaixo de uma colina artificial (a mamoa), era como um «útero» abrigado do olhar, onde se colocavam relíquias «no interior da terra». Podemos imaginar que essa deposição de relíquias funerárias seria, a nível de significação simbólica, como que um regresso do ser humano ao útero materno da Terra Mãe”.
Várias ainda foram as grutas sepulcrais, grutas usadas como lugar de enterramento, desta feita uma forma natural de devolver o corpo à Deusa Mãe. A famosa gruta do Escoural no Alentejo, é um desses casos, tendo sido usada no Neolítico (5000-3000 a.C.) pelas comunidades de agricultores e de pastores como cemitério. Na gruta da Senhora da Luz, na zona de Rio Maior sabe-se que se fizeram enterramentos desde o Paleolítico Superior até ao Calcolítico.






quinta-feira, 30 de junho de 2016

CERIMÓNIA DE NOMEAÇÃO



Ontem, o Templo de Cale foi junto ao mar, na zona do sagrado portal de acesso ao Jardim das Hespérides, Praia da Maçãs, para a cerimónia de Nomeação da Inês.

Esta é uma cerimónia de acolhimento da criança na comunidade, que normalmente ocorre cedo na sua vida,  em que o nome lhe é atribuído perante a Deusa e os Elementos, para que  plenamente ela possa assumir como seu todo o potencial nele contido.

Nesta cerimónia também celebramos e festejamos o regresso desta alma à nossa dimensão, ao nosso mundo, e para melhor o fazermos, é invocada a presença de todos os Elementos e da Deusa, como já referi, que distribuirão sobre a criança as Suas bênçãos, ajudando-a a desenvolver e a cumprir todo o potencial com que nasceu. Começamos então na direção Norte, onde invocamos o elemento Ar, bem como a linhagem ancestral da criança, lembrada até onde a memória da família o permitir, para que a criança se possa situar nessa linhagem, recebendo a sua herança, os dons das suas raizes ancestrais, enquanto sua última representante neste mundo, bem como o seu amor e proteção. Segue-se o Fogo, a Água, a Terra e finalmente no Centro ela recebe o seu nome, culminando com as bênçãos de todos as pessoas envolvidas na cerimónia. 

Tão abençoada pela minha vida de sacerdotisa ao serviço da Deusa, por invocá-la e aos Elementos na Sua Natureza, resgatando a Sua energia, a Alma do Mundo!




sábado, 25 de junho de 2016

Sobre A DEUSA NO JARDIM DAS HESPÉRIDES

Ana Luísa Quitério
Jornal do Externato Cooperativo, Benedita
N.º 11, 2016

ALTARES DE SANTO ANTÓNIO OU DE… JUNO MONETA?



Uma Moedinha para... Juno Moneta! 

Também designados por Tronos de santo António, são uma ideia de que gosto muito e que Catarina Portas recentemente atualizou. Há uns três anos já, foi muito divertido fazer o meu próprio altar, usando uma caixa de sapatos de tamanho um bocadinho maior do que o habitual, decorada com chita e outros tecidos, com miniaturas de bilhas encontradas na feira-da-ladra, que evocam o elemento água deste festival. Forçosamente tenho de ter um ou dois vasos de manjerico, cravos, ou até as rosinhas silvestres que enfeitam ainda os campos de junho, alecrim, alcachofra e outras plantas sagradas da estação...

Entretanto, começou a tornar-se cada vez mais óbvio e evidente para mim que esta tradição popular só podia ter tido origem no culto duma Deusa, esquecida agora, depois de ter sido substituída por esta maquinação de santinhos populares...

Foi assim que este ano resolvi fazer o meu altar, que normalmente é montado sobre a banca da cozinha, na versão pós-colonial da Deusa... Acho que são tradições demasiado bonitas para não serem reeditadas e reapropriadas pelas Mulheres (e Homens) da Deusa, reabilitando a versão deturpada e obliterada da nossa história de mulheres, com divindades, sim, à nossa própria imagem e semelhança. E a energia de Juno/Hera (que está na origem da Deusa Ibéria do nosso Jardim das Hespérides) começou entretanto a tornar-se cada vez mais nítida, com o Seu rasto ainda visível na tradição do culto de santo António. Ela, Juno, que deu o nome ao mês de junho (o dos casamentos, precisamente) era a Deusa que regia o casamento, uma prerrogativa que, sem se saber bem como, foi herdada pelo santo, transformado agora no “casamenteiro” oficial da religião popular.

Nestes altares devia ainda haver moedas. Li algures que tradicionalmente as crianças os colocavam à porta de casa, pedindo a quem passasse "um tostão para o santo António". Portanto, moedas fazem parte dos elementos destes altares, e agora vejam porquê:

"O dinheiro, tal como a escrita, parece ter tido origem nos antigos templos. A palavra moeda tem origem na Deusa romana Juno, que numa das suas formas era chamada Juno Moneta, aquela que nos dá/faz Advertências (Warning, no original, "She who gives Warning"). O seu templo era o centro financeiro de Roma e também o lugar onde se cunhava a moeda, a Casa da Moeda. De acordo com Barbara Walker, moedas de prata e de ouro ali cunhadas tinham valor não apenas pelo precioso metal de que eram feitas, mas também pelas bênçãos da própria Deusa que se acreditava trazer a boa sorte e a magia da cura."

Shirley Ann Ranck, Cakes for the Queen of Heaven: An Exploration of Women's Power, Past, Present and Future

Caminhos das e dos Mortos - estruturas físicas e psíquicas

“Caminhos das e dos Mortos”, ou “Estradas dos Espíritos”, podem ser encontrados por toda a Europa. No Reino Unido, são conhecidos maioritari...