segunda-feira, 16 de março de 2020

A Linguagem da Deusa nos Bordados de Óbidos

 

Nos bordados de Óbidos, criados por Maria Adelaide Ribeirete no século passado, com inspiração na decoração barroca do tecto da igreja de Santa Maria, encontramos símbolos e motivos que desde o Neolítico, pelo menos, fazem parte daquilo que a arqueomitóloga Marija Gimbutas considerou ser a linguagem da Deusa.

Também Riane Eisler, em O Cálice e a Espada, nos fala dessa arte neolítica, que expressa uma cosmovisão feminina que depois a cultura minoica  tão profusamente cultivou e desenvolveu em Creta, uma civilização muito influente no passado cujas marcas encontramos também aqui no nosso território por todo o lado.


“Na verdade este tema da unidade de todas as coisas na natureza, personificada pela Deusa, parece permear toda a arte neolítica. Porque aqui o poder supremo que rege o universo é uma Mãe divina que dá a vida ao seu povo, lhe proporciona o sustento material e espiritual e com a qual se pode contar até na morte para levar os filhos de regresso ao seu útero cósmico."
O movimento ao mesmo tempo da serpente enrolando-se em espirais duplas, que evocam os olhos de sol da Deusa, ainda são sugeridos por estes motivos que as mulheres bordam até hoje. Na segunda imagem, reconhecíveis jarrinhos de água evocando a natureza fértil, doadora de vida, da Deusa, um dos motivos indispensáveis nesta arte manual feminina tão preciosa cultivada aqui...

"Aquilo que encontramos por toda a parte – em santuários e nas habitações, nas pinturas murais, nos motivos decorativos dos vasos, em esculturas, estatuetas de barro e baixos-relevos – é uma série de símbolos oriundos da natureza. Associados à adoração da Deusa, estes atestam respeito e deslumbramento perante a beleza e o mistério da vida."

"Há serpentes e borboletas (símbolos de metamorfose), que em tempos históricos são identificados com os poderes transformadores da Deusa." Riane Eisler, O Cálice e a Espada: a nossa história, o nosso futuro, Via Óptima Já sobre os bordados de Óbidos, lê-se na informação:


"Arabescos, pássaros, o castelo e a palavra Óbidos, bordados em tons de azul, rosa, salmão, verde, amarelo e castanho compõem os bordados de Óbidos. Criados em meados do século passado por uma obidense, Maria Adelaide Ribeirete, nestes bordados são empregues os pontos pé de galo para o preenchimento e o ponto pé de flor para os contornos, sobre o linho branco, meio linho ou estopa. É com franja executada no tear manual ou ainda com bainha presa com os mesmos pontos que se empregam no trabalho que se terminam os bordados.
Os motivos foram inspirados no tecto da nave central da Igreja de Santa Maria. Para passar os desenhos para o papel colocavam um espelho no chão, que os reflectia e assim facilitava o seu trabalho." http://www.obidos.pt"

Fontes:

Marija Gimbutas "The Language of the Goddess"

Marija Gimbutas "The Goddesses and Gods of Old Europe" Imagem - Bordados de Óbidos expostos na sede da Associação Artesanal e Artística "Bordar Óbidos"



©Luiza Frazão Imagens

1. e 2. Marija Gimbutas, The Language of the Goddess
3. Marija Gimbutas, The Goddesses and Gods of Old Europe
4. Bordados de Óbidos

quinta-feira, 12 de março de 2020

Machado Duplo, o antigo Labrys cretense

Achei curioso ter encontrado em Óbidos o Machado Duplo tão típico da cultura da Deusa cretense. Imagino que não seja nenhum exclusivo local, embora estes tenham inscrito o nome da vila na sua superfície. Aqui, como em outros lugares, ele é considerado uma simples arma de brincar, à venda no comércio local tal como arcos, flechas e espadas de madeira que por norma se oferecem às crianças sobretudo pela feira medieval de Julho...

MACHADO DUPLO - LOGOGRAFIA PARA MULHER

"O Machado Duplo, ou Labrys (ou Labirys) é um símbolo importante da Deusa Dupla, representando o poder sobrenatural multiplicado por dois, “o poder do dois” (ver Marija Gimbutas, A Linguagem da Deusa). Claramente, as duas lâminas, com a forma de meias-luas, do machado referem-se às fases crescente e minguante, nascimento e morte, e ao ritmo mensal do sangramento alinhado com a renovação permanente do ciclo lunar.
The Language of the Goddess, Marija Gimbutas

São estes crescentes evocando chifres, colocados de costas um para o outro, que formam o Machado Duplo das antigas culturas da Deusa, criando um dos primeiros e mais duradouros glifos da Deusa Dupla.
Machados duplos cerimoniais,
Museu Nacional de Arqueologia, Heraclion, Creta
Segundo Gimbutas, “O machado duplo da Idade do Bronze era na origem a representação duma Deusa da Morte e Regeneração com forma de ampulheta. Embora os linguistas tendam a achar que não, seguramente que a palavra Labyris tem relação com “lábia”, a qual por sua vez se relaciona graficamente com o conceito de Machado Duplo. Esotericamente, o conceito de Deusa Dupla como está expresso no Machado Duplo pode referir o clítoris e lábia de cada fêmea como o lugar do poder regenerador, lugar da sexualidade feminina multiorgásmica que evidencia a mulher como centro sagrado de todos os rituais devocionais tântricos. No seu livro sobre o papel da mulher nos ritos do Budismo Tântrico tibetano, June Campbell lembra-nos que OM MANI PADME HUM (“salvé, jóia no centro do lótus) é o mantra mais comummente recitado no Tibete. Chamando a atenção para o facto de este mantra ser dirigido a uma divindade feminina, Manipadma, Campbell reconstrói linguisticamente a expressão como sendo uma invocação da “divindade do clítoris-vagina”. Muito antes da invenção do “hieros gamos” (o casamento sagrado da masculino e do feminino), o Machado
Duplo foi um símbolo largamente difundido da qualidade dupla de cada mulher.

Complexo do Templo de Malia, Creta
Parece que o Machado Duplo seria a representação mais simples do corpo feminino, a ampulheta criada por dois triângulos unidos no centro (a cintura), uma logografia de mulher.
No seu trabalho inicial sobre a deusa, Marija Gimbutas enfatiza a forma de borboleta do machado, insistindo que "o emblema da Grande Deusa na sua origem nada tem a ver com o machado; ele antecede o aparecimento de machados de metal por vários milhares de anos. " Na Idade do Bronze fizeram-se machados na forma de borboleta (lâmina dupla) e, quando a "borboleta se tornou um machado duplo, a imagem da deusa como uma borboleta continuou gravada em machados duplos". A transformação de borboleta em machado é atribuída aos indo-europeus recém-chegados e à importância que eles atribuíram ao machado do seu deus do trovão, Zeus, para o qual este era sagrado, e que acreditavam estar imbuído de poder. No entanto, a borboleta como símbolo central da Deusa regeneradora remonta pelo menos ao sexto milénio a.C., onde ela encarna o princípio da transformação."

in Vicki Noble, The Double Goddess: Women Sharing Power

Helena dos Caminhos / Senhora dos Verdes

  Yuri Leitch HELENA DOS CAMINHOS   “Se Helena apartar do campo seus olhos nascerão abrolhos” Luís de Camões   “O azar da Pení...