A palavra “Imbolc” significa “no leite”, ou
“leite de ovelha”, leite das ovelhas na altura do nascimento das suas primeiras
crias, sinónimos de vida nova, de renascimento e renovação. Trata-se, pois,
desse momento do ano em que sentimos que a vida volta à superfície depois da
quietude da hibernação da estação anterior. Quando sentimos que o nosso
mergulho na interioridade já durou o suficiente; quando já temos saudades da
luz e do calor e os dias começam a ficar progressivamente maiores e nos apetece
criar, celebrar a vida, sair de casa, sair para o mundo, concretizar projectos;
quando surgem ainda que vagas as primeiras promessas do vigor primaveril, a
Deusa Menina voltou, ocupando o lugar da Anciã que reinou nos árduos meses do
Inverno. Foi a Anciã, que mantendo ciosa o seu tempo de quietude, de vida
inclusa, em que à superfície nada cresceu, que ajudou a morte a cumprir o seu
papel de limpar e de preparar o terreno para o recomeço. Por isso o abutre, que
limpa a carne putrefacta dos cadáveres dos animais que não resistiram aos
rigores do inverno, é uma das aves sagradas de Ana, ou Dana, Deusa honrada
entre nós no Yule, Senhora do Inverno. Sem o poder da Deusa Anciã, a guardiã
das sementes, não há lugar para a nova vida.
Sabemos que na nossa tradição esta festa foi
muito importante e ainda o é em alguns locais, embora a Igreja Católica tenha
por vezes trocado as voltas e mudado as datas, como aconteceu na freguesia do
Reguengo do Fetal, por exemplo, onde uma celebração nitidamente com
características do Imbolc se celebra agora no princípio do mês de Outubro.
Trata-se duma festa com uma procissão nocturna desfilando por ruas iluminadas
por milhares de cascas de caracóis transformadas para a ocasião em candeias
alimentadas a azeite. Sem dúvida uma tradição muitíssimo antiga com raízes
pagãs porquanto a casca do caracol é um dos símbolos da Deusa do Inverno, da
Senhora dos Ossos, sendo estes, à semelhança das cascas, símbolos de
permanência, daquilo que é estrutural e essencial e que sobrevive à morte. A
casca do caracol transformada agora em candeia, portadora da luz que ressurge,
é perfeita para evocar e celebrar a metamorfose da Anciã em Menina.
Esta festividade, como tantas outras, foi
cristianizada, transferida para o dia 2 de Fevereiro, tomando a designação de
Candelária, ou Festa das Candeias, em inglês Candlemass, quando se
benziam as velas. O seu sentido passou a estar associada à “purificação” de
Nossa Senhora, presumindo-se que o parto a tornara impura, claro, bem como à
apresentação de Jesus no templo. Antigas
tradições pagãs persistiram, entretanto, na cultura popular, como os fritos, as filhoses fritas em azeite, e outras. Lembro-me
de em minha casa a minha mãe fazer sempre neste dia a sua receita especial de
filhoses alentejanas. Numa freguesia perto do local onde nasci, na Zona Centro,
entretanto, foi hábito até mais ou menos ao final da primeira metade do século
XX, fazer pequenos bolos fritos, as velhoses, expressamente para serem oferecidos
às oliveiras, colocando-se um junto de cada uma das que se possuíam, como forma
de agradecimento pela luz e pelo alimento recebidos durante o ano.In A Deusa do Jardim
das Hespérides: Desvelando a Dimensão Encoberta do Sagrado Feminino em Portugal,
Zéfiro Editores
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