segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

LENÇO DE NAMORADAS - Artefactos das Mulheres, Artefactos da Deusa

 

Há uns tempos, dinamizei um workshop, incluído numa celebração de Beltane do Templo, cuja actividade central consistia na criação dum Lenço de Namorados, que é um artefacto muito da nossa tradição (mas não só), realizado em tempos pelas mulheres do Minho, mais precisamente de Vila Verde, para oferecem ao eleito do seu coração. A autora era muitas vezes uma rapariga do campo, pouco letrada, que sobre o tecido de linho bordava versos singelos, escritos em má ortografia (erros em que certamente o rapaz também não teria muitas condições de reparar…) e desenhos ingénuos.

Hoje em dia essas prendas de enxoval são consideradas obras de arte popular, muito apreciadas e valorizadas, e com razão, replicadas e vendidas no mercado a preços muitas vezes proibitivos. Mas na altura, tendo em conta que o nosso primeiro compromisso deve ser connosco mesmas, antes de nos comprometermos seja com quem for, para não nos dissolvermos, digamos, na relação, tive a ideia - e concretizei-a com um grupo de mulheres por Beltane - de juntas concebermos um lenço pessoal, que funcionasse como o garante material de um compromisso assumido antes de mais connosco mesmas.

Nunca esquecerei essa actividade tão sagrada, e ao mesmo tempo divertida, e tenho o meu lenço de bolso pessoal religiosamente guardado para ocasiões especiais.

E que ocasiões podem ser essas em que, em algumas partes do mundo, como na Grécia actual, as mulheres continuam a usar os seus lenços de bolso como símbolos sagrados e muito arcaicos do seu poder pessoal, do seu poder de criar e de liderar?

Um artigo sobre este tema dos lenços que encontrei há dias numa revista online responde a essa questão. A autora, Laura Shannon, fala-nos da forma como estes itens eram vistos por sociedades matrifocais do passado que cultuavam a Deusa. Eles representavam uma espécie de prolongamento, ou de representação da própria mão da Deusa. Sabemos do poder deste membro divino pela importância que continuamos a dar à famosa mão Hamsa, a Mão de Fátima, ou de Maria, usada por tantas pessoas no mundo como um poderoso talismã de protecção.

Essa mão da Deusa, que por vezes ostenta uma decoração em forma de vulva, diz-nos a autora, remete precisamente para os Seus divinos poderes criadores e protectores. E a autora cita o exemplo da Grécia actual, com as suas danças tradicionais de mulheres em que este artefacto funciona para elas como um símbolo de poder pessoal e de liderança. A mulher que comanda os movimentos da dança, usa-o na mão e depois passa-o à mulher que a revezará nessa função. Na realidade, esse poder de dirigir a dança será partilhado pelo grupo de mulheres, e é através da passagem do lenço de mão para mão que essa partilha se concretiza:

“Na cultura da dança ritual feminina, toda a mulher deve ser capaz de orientar o círculo de dança no momento apropriado. Entre outras coisas, o seu lenço significa a sua disposição de assumir o papel de comando quando for a sua vez – na dança e na vida – e mostra que a sua comunidade pode contar com ela sempre que necessário. Desta forma, o lenço, sempre presente nas roupas folclóricas das mulheres, comunica os antigos valores europeus de apoio mútuo, responsabilidade coletiva e liderança partilhada que são tão centrais para a cultura da dança tradicional”.

 Nas palavras de Laura Shannon, “Na Grécia de hoje, as mulheres fazem o seu mandíli com intenção de oração, não muito diferente de outras tradições sagradas da arte popular, como os rushnyky, panos rituais bordados pelas ucranianas. Normalmente, o mandíli é branco, orlado com bordados, rendas, missangas ou lantejoulas para proteger quem o usa de energias negativas ou do 'mau-olhado'. Às vezes, o mandíli apresenta símbolos concretos, como esta figura bordada da Deusa/flor com raios de sol vibrantes no lugar da cabeça e das mãos.

E conclui:

“Quando dançamos as danças antigas, descodificamos os símbolos sagrados e assumimos o papel de liderar, afirmamos o nosso próprio poder inato de trazer um novo modelo de liderança a um mundo que precisa urgentemente que avancemos nesse sentido. Quando conduzo a dança com um mandíli na mão, sinto que estou hasteando uma bandeira esquecida de uma nação de mulheres há muito perdida – mulheres que um dia souberam tecer, trabalhar e adorar juntas, com confiança e alegria. E o mandíli afirma que ainda nos lembramos”.

Na verdade, os lenços de bolso têm uma muito longa e rica história de uso em épocas mais recentes, em várias partes do mundo, nomeadamente para a comunicação secreta entre as e os amantes*. No entanto, faz todo o sentido aprofundarmos o estudo da sua origem e integrá-los na antiga cultura da Deusa que agora com tanto entusiasmo regatamos e que lhes deu origem.

Isto pode então dar aos Lenços de Namorados portugueses de Vila Verde, no Minho, toda uma outra contextualização e sentido, e a questão que surge é: Será que a ênfase actual no papel exclusivo deste item como um “lenço de namorados” não espelha exatamente o que enquanto mulheres temos feito com o nosso poder pessoal na cultura onde vivemos?

Entretanto, muitas imagens de trajos tradicionais portugueses, como esta que aqui apresento, mostram-nos as mulheres usando lenços na cintura. Por certo eles são considerados apenas "de namorados", mas a verdade é que o seu significado parece ser bem mais arcaico e poderoso.

Tal como afirma a autora deste artigo, acho que vale muito a pena resgatarmos o antigo e poderoso significado que as nossas antepassadas deram um dia a estes artefactos sagrados da Deusa!

© Luiza Frazão, Sacerdotisa responsável pelo Templo da Deusa de Óbidos


Poderá encontrar aqui o artigo original de Laura Shannon:

https://feminismandreligion.com/2023/02/09/womans-sacred-hand-and-handkerchief-by-laura-shannon/

*https://www.dailysabah.com/feature/2016/02/19/handkerchiefs-the-secret-language-of-love,


Imagem 2 https://www.sapatosnamorarportugal.com

Imagem 5: http://trajesdeportugal.blogspot.com

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