quinta-feira, 2 de novembro de 2023

HONRANDO A DEUSA NEGRA - Kathy Jones

 

Wendy Andrew
Samhain é o tempo de honrar a Deusa Negra. Não é necessariamente o tempo de A encontrarmos face a face, mas é um momento em que tomamos consciência da Sua poderosa existência. Podemos ter a certeza de que na nossa jornada para nos tornarmos sacerdotisas vamos enfrentá-la e possivelmente mais de uma vez. Ela vai desafiar-nos com eventos e circunstâncias que nos poderão parecer demasiado difíceis de suportar. Ela vai levar-nos até ao fundo da Sua gruta no interior da terra. Ela vai mostrar-nos a Sua face terrível. O Seu amor poderoso vai revelar as coisas que escondemos, que encobrimos no nosso passado por serem demasiado chocantes e doerem demais. Ela vai deixar-nos sozinhas na sua cave, e vamo-nos sentir abandonadas por Ela e por todas as pessoas à nossa volta. Podemos permanecer aí por algum tempo, algumas semanas, meses ou anos. Até que subitamente um dia Ela vai regressar com todo o Seu amor, revelando toda a beleza que jaz escondida na escuridão do inframundo. Compreenderemos então o que nos aconteceu e como isso nos transformou no melhor sentido e o nosso coração enche-se de gratidão pelo seu aparecimento nas nossas vidas.

A espiritualidade da Deusa é uma experiência de completude, de altos e baixos. A Deusa abrange tanto a criação como a destruição, positivo e negativo, tal como está expresso no símbolo chinês do yin e do yang que descreve o contínuo equilíbrio entre os opostos. Ela é a vida e o tempo da abundância estival, mas também a morte e a decadência do outono. Ao morrerem, as plantas caem à terra formando o escuro composto no qual a vida germinará uma vez mais na primavera. Ao contrário das religiões patriarcais que focam a sua adoração na Luz, sublimando a Escuridão, demonizando tudo o que não é Luz, associando-o ao mal. A espiritualidade da Deusa tanto abrange a Luz como a Escuridão, considerando cada uma destas qualidades como essencial para a existência da outra.


No mundo natural, que é um espelho no qual a natureza da Deusa se torna visível, toda a vida nasce da escuridão, a escuridão da terra, do útero, da noite. Não existe regeneração sem escuridão, renascimento sem morte. Todos os belos cristais do mundo são criados na escuridão do interior da terra. Toda a vida animal e humana é gerada na escuridão do útero da mãe. Sentimos regeneradas a cada manhã após as horas de escuridão em que fechámos os olhos à luz e dormimos. O nosso mundo move-se para a escuridão ao cair da noite e renova-se a cada manhã pela ação dos raios solares. A escuridão traz repouso e renovação. Esquecemo-nos destas verdades tentando anular a escuridão com as nossa iluminação elétrica continuando a luz pela noite dentro, focando-nos na luz nos nossos esforços para ignorarmos a nossa própria escuridão.

A Deusa Negra é uma iniciadora e uma “embusteira”. Ela inicia o novo muitas vezes com algum truque, embuste ou algo que se apresenta como uma má ação. Ela é a Velha e habitualmente hedionda bruxa que aparece nos contos de fadas, oferecendo uma maçã muito bela e vermelha  mas envenenada, que inicia as raparigas que se transformam em mulheres. Ela é a Madrasta Malvada, que trama a nossa desgraça e nos ensina a lidar com as emoções alheias assim como com as nossas para que possamos crescer e entrar na idade adulta. Ela é a Velha Bruxa medonha que pode lançar sobre nós os Seus feitiços por cem anos ou mais.


[…]

 O encontro com a Face Negra da Deusa é uma parte vital da nossa jornada para nos tornarmos Sacerdotisas. Ela vai levar-nos até às Suas profundidades, ao encontro dos nossos medos mais obscuros e das nossas dores mais recônditas. Temos de aprender a estacionar nesses lugares onde a verdadeira transformação ocorre, nas profundidades da nossa parte sombra. Pessoalmente, tive alguma resistência em aceitar que as mais completas transformações resultam da ação do sofrimento. Protestei contra Ela. Por que não pode tudo isto ser mais fácil? Por que é que a transformação não pode acontecer na alegria? Bem, também pode acontecer, há muitas transformações que ocorrem pela ação da Luz, mas muitas e muitos de nós nestes tempos temos grandes dilemas internos para resolver. Vivemos em duras e desoladas paisagens urbanas, experienciamos o deserto emocional nas nossas vidas, falhamos terrivelmente segundo os nossos próprios critérios, que importam os das outras pessoas, antes de sermos forçadas das profundidades da nossa dor a mudar de direção, a renascer, a encontrar a verdadeira vida.

A nossa resistência à mudança, o nosso teimoso apego, quando deveríamos deixar ir aquilo que achamos que somos, é um sinal da nossa força interior trabalhando contra nós em vez de a nosso favor. A nossa desesperada necessidade de sobreviver a todo o custo é instintiva e autoprotetora, mas está lá para ser adoçada pela Sua amorosa e constante presença, forçando-nos a enfrentar o âmago da nossa própria sombra. A Deusa Negra pede-nos rendição aos Seus poderes de transformação.

Como Sacerdotisas da Deusa temos de conhecer todas estas experiências desde o nosso íntimo, desde o âmago do nosso próprio corpo, emoções e alma, para entendermos quão espantosas são as Suas transformações, quanto é grande o Seu amor por nós, quão sábia Ela é. Também é importante termos passado por tudo isto para podermos entrar em empatia com quem faz a sua jornada com a Deusa Negra, para que nos possamos sentar com essas pessoas, com elas inspirando e expirando na obscuridade, com elas gemendo os seus lamentos, entrando em empatia com o seu sofrimento.

A presença da Deusa Negra estimula os nossos medos e dores, mortes e perdas, estimulando a nossa jornada rumo à mudança. Ela traz-nos tragédia, traição e perda da confiança. Ela ensina discriminação, discernimento e a natureza da criatividade. Ela ajuda-nos a fortalecer a nossa resolução interna de seguir o caminho da alma. Acima de tudo, Ela ensina-nos a sentir compaixão por nós mesmas e por todas as pessoas em sofrimento.

ENCARANDO A SOMBRA

Na nossa formação de sacerdotisas a Senhora Negra irá colocar-nos face a face com aspetos da nossa sombra que estão fora do alcance da nossa mente consciente por serem demasiado penosos e duros de recordar. Isso inclui memórias acidentes traumáticos, de abuso, maus-tratos, raiva, tanto sentida por nós por alguém como sentida por alguém em relação a nós, vergonha, dor, culpa, mágoa. Estas memórias podem estar escondidas, mas isso não significa que não mais nos afetam. O nosso comportamento é determinado tanto pelas nossas intenções conscientes como pela necessidade de protegermos estes nossos aspetos Sombra. A nossa jornada de sacerdotisas vai acabar por trazer à superfície estas memórias dolorosas do nosso inconsciente para serem curadas e melhor podermos aceder ao nosso verdadeiro eu.

À medida que estas memórias esquecidas podem começar a surgir, por vezes pela primeira vez desde há muitos anos, as emoções dolorosas a elas associadas são muitas vezes projetadas sobre outras pessoas, tutoras, tutores, colegas, familiares e pessoas amigas, quem quer que na altura estiver por perto. Recriamos os cenários dolorosos do nosso passado, dando-lhe novas formas, e projetamos os nossos sentimentos inaceitáveis sobre outras pessoas. A vida torna-se desafiadora quando exprimimos as nossas emoções recalcadas de forma não apropriada, projetando-as em pessoas que não as causaram mas que estão agora a pressionar esse botão. Na nossa jornada sacerdotal aprendemos a autorreflexão, bem como a tomar consciência daquilo que está a acontecer connosco quando nos encontramos em conflito com pessoas à nossa volta, quando criticamos, culpamos e atacamos outras pessoas projetando nelas a nossa Sombra.

Em si mesmo, o treino duma sacerdotisa é principalmente uma jornada cerimonial, que desperta e desenvolve a aspiração espiritual, criatividade e conexão com a Deusa. Não se trata de psicoterapia, embora seja um catalisador de mudança em todos os aspetos da personalidade à medida que nos abrimos à Deusa e nos sentimos mais autoconscientes e empoderadas. Podemos tomar consciência de feridas que precisam de cura e precisamos de contar com isso.

In Priestess of Avalon, Priestess of the Goddess, Kathy Jones


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