quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Caminhos das e dos Mortos - estruturas físicas e psíquicas

“Caminhos das e dos Mortos”, ou “Estradas dos Espíritos”, podem ser encontrados por toda a Europa. No Reino Unido, são conhecidos maioritariamente como corpse ways, o que traduzido à letra significa “caminhos dos cadáveres”, mas também são designados por “caminhos da igreja” – caminhos que, na época medieval, levavam quem morria até ao cemitério. Estes trilhos, porém, também possuem uma história secreta, outros atributos dos “espíritos”. Alguns estão supostamente assombrados; outros estão associados a um tipo particular de vidência.

A tradição das fadas da Irlanda fornece uma "geografia espiritual" viva - uma das últimas sobreviventes na Europa Ocidental - mas que possivelmente desaparecerá na próxima ou nas próximas gerações.

Nas antigas Américas, existem misteriosas "estradas" retas e calçadas. Estas não eram rotas para o tráfego normal do dia-a-dia, mas para os espíritos das pessoas mortas, para fantasmas extracorpóreos de xamãs e feiticeiros, e para propósitos mágicos.

No mundo pré-moderno, tanto quanto podemos detectar, havia estradas e trilhas comuns e quotidianas e havia outras rotas especiais que tinham atributos simbólicos, cerimoniais, espirituais ou mágicos - e às vezes todas essas propriedades combinadas.

Até mesmo o encontro e a separação de caminhos, o que descartamos como encruzilhadas ou cruzamentos, eram considerados locais importantes carregados de significado sobrenatural.

Mesmo onde esses caminhos, trilhas e estradas ainda estão em serviço, a sua função mudou e a maioria das pessoas que as usam agora nada sabe sobre o seu significado original.

Existem as trilhas oníricas (dreaming tracks) aborígenes australianas (também conhecidas como songlines, linhas de música), caminhos de fadas e outros caminhos espirituais de vários tipos, estradas de mortas/os, rituais misteriosos e caminhos cerimoniais nas Américas. Trata-se de infraestruturas lineares da Idade da Pedra, que podem muito bem ter sido vistas como estradas espirituais por quem as construiu e usou… Parece que terá existido uma arcaica geografia comum abrangendo os continentes asiático e europeu...

 In Fairy Paths and Spirit Roads: Exploring Otherworldly Routes in the Old and New Worlds, Paul Devereux

Em Portugal são conhecidos ainda por esta designação:

O Trilho do Caminho dos Mortos

Monção

O nome do trilho deve-se ao facto de, antes da construção das novas vias rodoviárias, os funerais, desde os lugares mais montanhosos até à igreja paroquial, se fazerem por este caminho. Os finados eram transportados em carros de bois, demorando horas até chegar à Igreja Paroquial. Além desta particularidade, podem-se encontrar, ao longo do percurso, vestígios das primeiras civilizações que assentaram nesta região, no 4º milénio A.C., mais especificamente a Mamoa do Cotinho, um monumento funerário coletivo e local de culto, onde eram depositados os mortos.

https://concelho.moncao.pt/pt/menu/858/trilho-do-caminho-dos-mortos.aspx

Fonte da imagem 2:

https://pt.wikiloc.com/trilhas-trekking/pr1-mnc-trilho-do-caminho-dos-mortos-21483247


Em Mafra, existe também ainda o Trilho dos Mortos (imagem 1)

Fonte da imagem: https://pt.wikiloc.com/trilhas-trekking/trilho-dos-mortos-e-vale-do-lizandro-31246833

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Despedida da Senhora do Verão e Acolhimento da Senhora do Inverno

 Tomar 20 de Outubro 2024

A celebração do dia 20 de Outubro, em Tomar, é sempre um momento alto na forma como vivo o meu ciclo anual. Este evento é o contraponto da celebração de 13 de Maio na Cova da Iria. Em ambos os momentos, IRIA, a Deusa do território, é invocada e celebrada - na sua forma de Rainha do Verão.

Ela também é Beira, a parte do nome composto Cale-Beira, ou Calaica-Beira, ou ainda Cailícia-Beira, Deusa Dupla, que por Beltane assume a forma jovem e é a nossa de Rainha do Verão, e no final de Outubro, quando o Samhain, o fim/princípio do ano se aproxima, assume a sua forma de Anciã Rainha do Inverno. Uma tradição celta muito muito antiga mas que se manteve viva na nossa tradição, quando foi assimilada pela igreja de Roma.

Participar nesta celebração, reinterpretando-a, ou ressignificando-a, e vivendo-a segundo a nossa visão, é uma experiência que amo e adoro desde há já alguns anos, primeiro sozinha, depois com a minha irmã Sacerdotisa Cristina Grumete, depois com outras irmãs e Sacerdotisas da Deusa do Jardim das Hespérides e outras pessoas que simplesmente se juntam ao grupo.

Conto a história desta Deusa Dupla celta e desta tradição num livro que teci com todo o material que investiguei da tradição portuguesa e que foi traduzido para Inglês e Francês.

Este ano, porque era domingo, havia um grande multidão e no meio dela, um casal que encontrámos já sobre a ponte chamou a minha atenção. Ton van der Kroon, um investigador holandês que vive em Tomar, com a sua mulher, Anne Wislez, podia ser confundido com o autor luso-americano Freddy Silva... Não era, mas... também ele é produtor de conteúdos em áreas afins... Foi delicioso o encontro que tivemos com este casal com quem descemos até ao sagrado Pego de Santa Iria, ex-libris da cidade de Tomar, tristemente engolido por um hotel que apagou a memória do antigo mosteiro construído por certo sobre um antigo templo da Deusa e por isso uma memória viva da ancestral Senhora da terra...

Os nossos caminhos de celebração, entretanto, divergiram para outras zonas mais íntimas e
significativas que, à nossa maneira, nos permitiram progredir desde a despedida de Uma ao acolhimento da Outra.

Realizámos a parte mais significativa da nossa celebração em contacto com a terra, não longe das águas do Nabão, agora um rio de morte e dissolução, depois de termos oferecido às suas águas pétalas de rosas vermelhas, como o sangue da vida, repleto de promessas de renovação, ouvindo o canto dos pássaros, sentindo no meio da verdura eterna, sobre uma camada de folhas e galhos em decomposição, a humidade trazida pelas chuvadas de Outono, aceitando a proposta de ir dentro, de ir fundo, honrando o túmulo/útero da Grande Mãe,  Senhora da Criação, da Manutenção e da Renovação da Vida. E fizemo-lo em sororidade e fraternidade,  sentindo o nosso coração bem mais aconchegado pelo sentido e significado e  profundidade que assim acrescentámos e com que enriquecemos a nossa experiência humana.

E mutuamente prometemos apoio e carinho na longa travessia do Inverno, seja ele atmosférico ou psíquico. Abençoada!

©Luiza Frazão


Obs. Versões inglesa e portuguesa deste livro à venda na Amazon.

domingo, 26 de maio de 2024

SOBRE A TERCEIRA EDIÇÃO DA CONFERÊNCIA DA DEUSA PORTUGAL 2024

 Este ano dedicada a Cale a Amante, às Deusas do Amor e à energia de Beltane

Miranda Gray
Cada conferência da Deusa é por si só um acontecimento único e irrepetível. São dois anos de preparação, sendo que o último é bem mais intenso, duma equipa de voluntárias e voluntários, em que desde a lista de palestrantes, performers, artesãs e artesãos, cerimónias e actividades, praticamente tudo é pensado, desenhado, revisto e corrigido em conjunto.

E a Conferência acaba assim por ser para nós uma grande escola, em que temos oportunidade de aprender a cocriar, sem impormos a nossa visão, seguindo aquela que sentimos como a mais adequada, usufruindo dos saberes, talentos e habilidades de todas e de todos em conjunto, e entre nós gerindo também eventuais conflitos próprios da nossa humanidade.

Entretanto, costumo dizer meio em tom de brincadeira, mas com muitíssimo de verdade, que quem quer organizar uma conferência da Deusa precisa duma Melissa Mãe como a nossa desde a primeira edição,  Cristina Grumete! Pelo seu alto grau de confiabilidade, pela seriedade e dedicação, pelo empenho e sentido da realidade essenciais para que nos sintamos enraizadas, condição indispensável para conseguimos manifestar algo desta natureza.

Yeshe Matthews
Sem sermos profissionais na organização de eventos, somos movidas pela nossa devoção à Deusa, pelo nosso entusiasmo e crença na importância do Seu resgate para o nosso tempo, bem como pela inspiração da visão do nosso Jardim Dourado das Hespérides, das Nove Irmãs do Poente, nossa herança espiritual que assim reclamamos e assumimos.

 Somos as Sacerdotisas da Deusa do Jardim das Hespérides, dedicadas ao Seu serviço. Uma dedicação feita em consciência, após dois anos, duas espirais de formação, em que aprendemos sobre as Suas faces, os Seus lugares de poder, em que aprendemos a mover-nos na Sua energia, a criar cerimónias em Sua honra, a senti-la na Sua e na nossa natureza, a vê-la nas formas da paisagem, a amá-la, a honrá-la com cânticos e orações, a conectar e invocar o nosso Self Sacerdotisa. A Conferência fornece-nos uma maravilhosa oportunidade também a nós, Sacerdotisas que honramos o nosso desejo inicial de servirmos a Deusa e queremos ir mais fundo, de sermos um veículo para a Sua manifestação, de A servirmos, que é algo que se aprende essencialmente com a experiência e com o contacto com outras Sacerdotisas que começaram primeiro, com mais anos de trabalho sacerdotal e mais vasta experiência. 

Nesse sentido, procuramos que as nossas apresentadoras tenham esse perfil que nos pode acrescentar mais. E este ano tivemos Katinka Soetens, Sacerdotisa de Rhiannon; Yeshe Matthews, do Templo da Deusa do Monte Shasta na Califórnia; Maya Vassallo di Florio, do Templo de Afrodite em Roma. Temos ainda como parte do nosso grupo cerimonial Laura Ghianda, da Itália, Sacerdotisa de Avalon e Saucco de Trivia, de Espanha, responsável pelo Templo da Deusa de Madrid.

E o nosso grupo de celebrantes integra assim, para além de Sacerdotisas do Jardim das Hespérides, Sacerdotisas e Sacerdote da tradição de Avalon e da Ibéria.

Foi também uma grande honra recebermos Miranda Gray e os seus preciosos ensinamentos. Foi lindo ter um grupo considerável das Moon Mothers treinadas por ela em Portugal a participar também do nosso evento.

Maya Vassallo di Florio

Sempre uma bênção muito especial termos uma comunicação adequada ao tema da escritora americana a viver em Portugal, aqui bem junto de Óbidos, Mary Sharrattt, uma autora de renome apostada em trazer para o seu lugar na história mulheres notáveis cuja memória foi obliterada ou desvalorizada e que este ano nos falou de Mulheres Visionárias e dos Seus Amantes Sobrenaturais.

De Portugal, tivemos Irene Crespo que nos falou da importância da sexualidade em idade mais avançada e Tamar, de O Mel da Deusa, que nos trouxe preciosos ensinamentos da sua larga experiência de sexóloga.

Foi também delicioso ouvir Mariana Vital, do Templo de Innana, falar-nos das nossas tradições antigas do culto da Deusa, como a do Dia da Espiga, que este ano calhou a 9 de Maio – dia anterior ao do início dos trabalhos da Conferência e por isso quase não íamos sendo capazes de conseguir o nosso ramo, não fosse a assistência duma das nossas formandas, a Ana Isabel, que com toda a dedicação o colheu para nós.

Momento alto foi também a maravilhosa prestação do grupo Matridança, criado e dirigido por Vera Eva Ham, que nos trouxe um excerto dum dos seus últimos trabalhos, Estriga. Também a dança de Saucco de Trivia/ Angel Roda Saucco, bailarino profissional e professor de dança, sempre nos encanta e comove.

E espero não ter esquecido ninguém porque o nosso programa deste ano era particularmente rico e muito intenso.

Mariana Vital


Foi por isso que  a noite do segundo dia, sábado 10 de Maio, momento de irmos mais fundo no coração dos mistérios, foi ainda mais especial e sentida por termos conseguido atravessar um portal até à mais profunda serenidade e amor da Deusa Amante, através das Suas Sacerdotisas. E gratidão profunda mais uma vez ao Rafael Narciso e a Nadine Santos pelo som das taças e do gongo com que criaram a atmosfera ideal para a sacralidade do momento.

É sempre um milagre, enquanto anfitriã da Conferência, olhar à minha volta e ver esse conjunto, não só de talentos, como de grandiosas personalidades, low profile na sua maioria, mas tão especiais, que a Deusa congrega para se reunirem a este grupo que um dia sonhou e manifestou a vontade e a disponibilidade para reavivar a Sua antiga e eterna glória na nossa terra.

E apesar dos desafios, a quarta edição é um desejo sentido no coração de toda esta equipa e sugiro que desde já reservem as datas de 8, 9 e 10 de Maio de 2026, quando celebraremos Cale da Água e todas as Senhoras das Águas do nosso território.

Enquanto anfitriã e coordenadora da Conferência, a minha profunda gratidão a toda a equipa, de cerca de 30 pessoas, que deu o melhor do seu coração, saber, tempo e boa vontade para que tudo corresse pelo melhor e pudéssemos suplantar tantos obstáculos.

Muito orgulhosa das nossas Sacerdotisas da Deusa do Jardim das Hespérides! Juntas no amor da Deusa, conseguimos!

Grupo Cerimonial e Sacerdotisas do Círculo


Lembrar que a formação de Sacerdotisas acontece agora nas novas instalações do Templo da Deusa na Costa de Prata, Caldas da Rainha e lugares sagrados da Deusa na Sua natureza envolvente e que as inscrições estão abertas para a próxima Espiral, ver aqui programa e calendário 👇

https://templodadeusa.com/a-formacao-de-sacerdotisas-do-templo-do-jardim-das-hesperides/

Para consultar programa da terceira edição da Conferência e palestrantes e equipa cerimonial 👇

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Abençoada!

©Luiza Frazão (Coordenadora e anfitriã da Conferência da Deusa Portugal)

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Tamar e tradutora Joana Nobre
Testemunhos

Meu coração está cheio de amor e gratidão por todas as bênçãos que recebi e compartilhei nestes dias da Conferência da Deusa Portugal 2024.

Foram tantos momentos maravilhosos, o encontro impagável com minhas irmãs e irmãos amados de várias partes do mundo e, assim ter a oportunidade de servir novamente nesta missão tão linda.

Gratidão profunda a Luiza Frazão por orquestrar nossa linda Conferência, por me convidar a fazer parte do Grupo Cerimonial e ancorarmos o amor em todas as suas formas.

Gratidão profunda a Cristina Grumete por todo o apoio, a todas as irmãs e irmãos que tornaram este sonho possível pelo servir tão amoroso, especialmente a Ana Bergano, Isabel Angélica Costa, Laura Ghianda Oselladore, Filipa Faustino, Saucco de Trivia, Sandra Coelho, Mariette Gomes Capinha, todas as queridas sacerdotisas do círculo e melissas.

Gratidão a todas as pessoas que mantiveram viva a consciência do Sagrado Feminino, a honra às divindades femininas de diversos panteões, à nossa terra e todos os seres da nossa extensa família planetária nestes dias inesquecíveis.

Gratidão. Gratidão. Gratidão.

Muitas bençãos,

Juliana Di Avalon (Sacerdotisa de Avalon, Cerimonialista na Conferência da Deusa Portugal)

 

Katinka Soetens

Estar, ser e participar na "Conferência da Deusa 2024" proporcionou-me uma oportunidade de auto-conhecimento, de reencontro comigo própria,  com o divino em mim, com a Energia Amante da Deusa.

Uma oportunidade de entender,  de me entender,  de entregar,  de me entregar. De mergulhar muito profundamente na minha essência, nas minhas sombras, nas minhas águas, no meu fogo. De atentar, pela experiência direta, no ponto em que estou, relativamente a essas sombras, assim como aos meus dons. Para, com esse conhecimento,  poder abraçar e transmutar as primeiras e exponenciar os segundos, de forma mais plena, amorosa e segura.

Foi, portanto,  um Encontro privilegiado para a Cura e Transformação, nos Caminhos Iniciáticos da Deusa.

Saímos revigoradas, gratas, com outro nível de consciência.

Com a vontade de continuar este trabalho tão nobre e com a noção da importância de o fazer.  De que urge reaprendermos a ouvi-La e a senti-La, a escutar-nos e a amarmo-nos,  sem artifícios, sem negações. Antes, em aceitação e rendição pura e plena. Neste estado enlevado de amada e de amante.

Com a consciência e o desejo de me dar tempo para continuar a integrar o tanto que aprendi,  relembrei e me revi.

Mais ciente da importância de ser confiante,  sem presunção ou timidez, assim como do resgate e aceitação do meu legítimo lugar ao sol e com a bênção da lua.

Quero agradecer à Deusa pelo seu Amor.

E à Luísa Frazão e a todas e todos os envolvidos nesta Conferência pelo incrível trabalho,  companhia e intuição.

Bem-hajam.

Fátima Remédios

 

Procissão 

Gostei muito desta Conferência! Obrigada por criarem um evento da mais alta qualidade e exalarem amor e paixão. Que bom poderem celebrar connosco, em alegria, em beleza e união. Saudades.

Alfredo Finoto (Sacerdote de Avalon)

Hoje é o primeiro dia de regresso a casa depois da Conferência da Deusa Portugal e eu dormi literalmente o dia todo!

Mas sabem que mais?

Isso torna tudo mais real: num tempo em que a espiritualidade é praticamente uma fantasia, dissociada da vida quotidiana, empurrada por slogans mas incapaz de ser uma ajuda real, nós fizemos tudo isto.

Trabalho árduo, empenhamento, um ano de preparação, resolução de dificuldades, flexibilidade, esforço para melhorar, sempre...

Para o nosso próprio bem e o da comunidade humana.

Agradeço o convite à Luiza Frazão , idealizadora da conferência e da visão do Jardim das Hespérides, por ter me querido de volta no grupo de cerimonial, e foi maravilhoso reencontrar pessoas com quem já trabalhei tão bem, como o meu querido Saucco, Sacerdotisa Juliana Di Avalon, Isabel Angélica Costa, Ana Bergano, Sandra Coelho, Mariette Gomes Capinha , Filipa Faustino e a minha querida Cristiana Reigota - devo dizer que a comida dela era imbatível, Mónica Campanhã (olha o que ela sabe costurar! ), Sandra Cristina Santos, Sandra Monteiro, Xenia Bendit, Claúdia Ramos Gabadinho, Célia Reis, Alice Campos, quem é que eu não estou a etiquetar? e à super melissa toda ela mãe, Cristina Grumete!

A todas as melissas e ao grande José [companheiro de Cristina Grumete]



Alfredo Finoto, Laura Ghianda e
Sara Ramadoro

Claro que uma menção especial vai para a tradutora mais ovacionada de sempre, Joana Nobre! Foi ótimo rever amigos históricos como Maya Vassallo Di Florio, com quem me diverti imenso, Sara Ramadoro e Alfredo Finotto e Katinka Soetens, mas também conhecer finalmente Yeshe Matthews em pessoa!

Para um urso como eu, estes são eventos que dão sentido à vida!

Laura Ghianda (Sacerdotisa de Avalon, cerimonialista e palestrante na Conferência da Deusa Portugal)

 

 Imagens: gratidão a todas as autoras, desde As Faces da Deusa, a Yeshe Matthews, Katinka Soetens e outr@s eventualmente :)

terça-feira, 16 de abril de 2024

Helena dos Caminhos / Senhora dos Verdes

 

Yuri Leitch

HELENA DOS CAMINHOS

 

“Se Helena apartar

do campo seus olhos

nascerão abrolhos”

Luís de Camões

 

“O azar da Península Ibérica foi a Inquisição e a caça às bruxas que destruíram todos os rastos da mitologia arcaica…”

“Sabemos que as estradas romanas seguiam caminhos antigos e sabemos que estes eram caminhos de transumância pastoril e que antes do pastoreio dirigido existiu o mero acto de seguir os trilhos das manadas.”                          

Blogue Numância

Helena dos Caminhos, conhecida entre nós como a Senhora dos Caminhos, é uma das Deusas de Beltane mais antigas e mais fascinantes e cuja história é mais rica e complexa e difícil de deslindar. Na verdade a história de Helena dos Caminhos parte em várias direcções, fazendo jus ao Seu atributo de Deusa dos caminhos, de Guardião dos caminhos. Por Helena, e honrando o seu espírito indomado de Deusa Hasteada, de Deusa Rena, ouso entrar por caminhos que não sei ainda aonde me conduzirão, nem isso me importa, porque precisamente o que a Deusa me é inspira é a abrir ou a mostrar caminhos…

Entre as divindades relacionadas com Beltane que fiquei a conhecer no meu primeiro ano do treino de sacerdotisa de Avalon, surgiu uma que imediatamente captou a minha atenção duma forma muito premente: Elen of the Trackways. Fiquei sob o Seu encanto e andei uma eternidade às voltas com esta energia poderosa até ter percebido que Elen, ou Helena, queria ser encontrada e resgatada no nosso território. Ao ler a investigadora britânica Caroline Wise, compreendi melhor aquilo que eu mesma senti no meu primeiro contacto com esta Deusa: “Quando comecei a leitura dessa pequena brochura (onde se falava de várias Helenas mitológicas e da possibilidade da sua origem comum) senti as correntes da kundalini atravessarem o meu corpo”.

Durante o meu treino, com o meu inglês tão insipiente, lia e escrevia em frente do computador e do tradutor do Google. Na verdade estudar, fazer investigação, hoje em dia é absolutamente fascinante, porque podemos satisfazer a nossa sede de informação e a nossa curiosidade da forma mais simples, pressionando apenas algumas teclas do computador. Ora, como muito cedo me apercebi das ligações que existem entre o material britânico e o ibérico, a certa altura resolvi escrever no motor de busca: “Senhora dos Caminhos”. Será que tal epíteto fora alguma vez aqui atribuído à Deusa? Para meu espanto absoluto a resposta foi positiva. Sim, são inúmeras as capelas, santuários, nichos, por todo o país, mais para o Norte, mas na verdade um pouco por todo o país. Existem até duas capelas bem perto da aldeia onde nasci, no distrito de Leiria, uma na Batalha e outra em Porto de Mós. Incrível, capelas da Senhora dos Caminhos mesmo ao pé de casa e eu nunca tinha ouvido falar desta Deusa! Uma investigação sumária desses locais de culto, trouxe-me uma informação preciosa: em Rãs, freguesia de Sátão, Aguiar da Beira, uma nova capela da Senhora dos Caminhos foi construída sobre outra mais antiga dedicada à… Senhora dos Verdes.

Senhora dos Verdes? Não podia acreditar no que estava a ler… Senhora dos Verdes é nem mais nem menos que a tradução literal de Lady of the Green, uma das primeiras designações por que Elen of the Trackways é conhecida, como uma espécie de versão feminina do Green Man, o Homem Verde, ou seja, uma personificação do espírito da natureza, relacionada com a Fertilidade e a Soberania da terra. Ou com a própria Terra, como postula Caroline Wise no seu brilhante trabalho de investigação sobre esta divindade, segundo ela uma das mais primitivas e importantes do panteão britânico. O nome da capital inglesa, Londres, poderá estar relacionado com ela, acredita.

Pedra oferta de Helena
Pela etimologia, “Elen” é um termo relacionado com cervídeos como a Rena, o Alce, o Veado, a Corça, mas também com o Cisne. Em francês, por exemplo, existe o termo Élentier significando Alce. Entre a figura referida no Mabinogion, Elen of the Trackways, Helena de Troia e Santa Helena, mãe do Imperador Constantino, entretanto, existem ligações que levam a investigadora a suspeitar tratar-se da mesma entidade. Helena de Troia nasceu, segundo a lenda, dum ovo de Cisne, forma tomada por Zeus para seduzir sua mãe, Leda. Quanto a Santa Helena, foi ela quem, supostamente, descobriu na Terra Santa a verdadeira cruz de Cristo. Ora, Cruz do Norte é precisamente um outro nome dado à constelação de Cygnus. Elen surge assim como uma energia por demais poderosa e fundadora para não irmos no seu encalce.  

Voltando aos poderes de Helena, Ela é a Senhora da Soberania da Terra, Senhora dos Verdes, a Vénus Britânica, Deusa dos Jardins, a Noiva das Flores, Guardiã dos cursos de água subterrâneos, Guardiã dos antigos trilhos das migrações da Rena e do Alce, Guardiã das Linhas Ley, Ativadora e Mediadora da Kundalini da Terra. A Sua ligação à Rena parece ser a mais primordial, e Renas existiram também na Ibéria. Nos períodos glaciais, os animais característicos foram o mamute, o rinoceronte peludo e a rena, espécies vindas do centro e do norte da Europa, que buscavam o clima relativamente ameno da Península. Portanto, em épocas glaciares havia renas e a última dessas épocas acabou há 9 mil anos, ou seja, no início do Neolítico. Esta mudança climática terá originado a substituição da rena pelo cavalo

 “Esta Deusa, com ligação a animais como os cervídeos, cujos caminhos guarda e guia, tornou-se a Deusa das linhas de energia, implicada na soberania da terra, nas suas medições, mapeamento e na geomancia. Por intermédio dos animais e dos seus antigos trilhos, ela está relacionada com o equilíbrio das energias da terra, com a fertilidade e com os ciclos da natureza”, resume Caroline Wise. E também por cá temos, entre outros, o Monte de Santa Helena, em Lage, freguesia de Vila Verde, onde são visíveis os vestígios duma via romana, que a atravessava e que era parte do caminho de Santiago.

O CISNE DE HELENA

“Como Deusa Hasteada, Ela guia-nos pelos primeiros trilhos da migração das renas. Ela apontou para a antiga cidade de Londres e para as estrelas e revelou-me mistérios do conceito abstrato de soberania, que liga a fertilidade da terra a quem a governa.” Caroline Wise 

(http://mirrorofisis.freeyellow.com/id152.html)

Andrew Collins, entretanto, em The Cygnus Mistery, defende que a veneração do Cisne, como ave associada à vida cósmica, remonta a 17 000 anos atrás quando a constelação de Cygnus ocupava posição de destaque nos céus noturnos do Hemisfério Norte, sendo então Deneb, a estrela mais brilhante desta constelação, a Estrela Polar. Segundo crê, a constelação de Cygnus estaria na origem de todas as religiões do mundo, bem como da Astronomia, da Literatura, das cosmologias antigas e das viagens transoceânicas. Raios cósmicos duma estrela binar desta constelação, a Cygnus X-3, defende o autor, terão contribuído para a evolução humana durante a última Idade do Gelo, sendo vários os indícios, diz-nos, que provam que as/os nossas/os antepassadas/os tinham consciência de que a vida na Terra tinha uma origem estelar.

Os animais totémicos de Helena são a Rena e o Veado (os cervídeos) e o Cisne, cuja simbologia é riquíssima e sobre o qual se pode ler na Infopedia: O cisne é em muitas tradições o símbolo da mulher e da virgem dos céus que em contacto com a terra e com a água dá origem aos seres humanos”.  Helena relaciona-se assim com a constelação do Cisne, também conhecida como Cruz do Norte, e estou convencida de que um fóssil da antiga veneração dessa constelação no nosso território se encontra precisamente no culto prestado à Santa Cruz, na religião católica, curiosamente um dos antigos oragos da freguesia onde nasci. Na versão oficial, trata-se da cruz onde Cristo terá sido crucificado, descoberta na Terra Santa, por Helena (santa Helena), mãe do imperador Constantino, aquele que impôs o Cristianismo como religião oficial do Império Romano.

Podemos avistar Helena dos Caminhos nos trilhos dos bosques, entre as árvores, se A invocarmos e estivermos atentas/os à Sua epifania. Aí, é possível vislumbrarmos a Sua silhueta ou recebermos da Deusa um qualquer sinal da Sua presença. Como Deusa de Beltane, se nos rendermos à Sua presença em nós, Helena guia-nos pelas correntes da Kundalini do corpo, pelas indomadas correntes do desejo, quando vibrando em uníssono com o divino masculino, atingimos o portal estelar que conduz o ato de fazer amor à sua cósmica dimensão e apoteose.

©Luiza Frazão, Maio 2015

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Modraniht - a Noite das Mães

 

Noite das Mães: As Antigas Origens Pagãs do Pai Natal?

Esta pesquisa ajuda-nos a perceber por que razão o Dia da Mãe em Portugal foi celebrado até há relativamente poucos anos em Dezembro. É verdade que no princípio, dia 8, mas mesmo assim tinha conseguido permanecer neste mês do Solstício de Inverno quando se honravam as Matronas do clã… Esta Mãe colectiva, tripla, as Três Matres, também foi cultuada entre nós, eram as Matrubos. Desconfio de aldeias que, sendo relativamente pequenas, conservam três templos cristãos dedicados cada um a uma Senhora diferente... Que vos parece?...

Modraniht, a Noite das Mães

Os povos germânicos primitivos celebravam a noite anterior ao Solstício de inverno como a Noite das Mães. O Venerável Bede, um monge cristão do século VIII, escreveu sobre este facto na sua descrição do calendário pagão. Em inglês antigo, chamavam-lhe Modraniht. Mais de 1100 pedras votivas e altares foram encontrados ao longo dos séculos, dedicados às mães, ou matronas, e metade destas pedras de altar foram inscritas e dedicadas com nomes germânicos.

As principais áreas de culto foram descobertas na antiga Germânia, no norte de Itália e no leste da Gália. Existem alguns centros de culto maiores com templos encontrados ao longo do Reno. Muitos destes altares foram encontrados perto de rios, poços ou nascentes. Os altares dedicados e as pedras votivas chegavam até à atual Escócia, ao sul de Espanha, à Frísia e a Roma.

Há uma referência aos cultos maternos germânicos nos escritos de Bede, em 725 d.C.: "E à noite que é sagrada para nós, estas pessoas chamam modranect, ou seja, a noite das mães, um nome que lhes foi dado, suspeito, devido às cerimónias que realizavam enquanto observavam esta noite."

Os altares e as pedras votivas, bem como os templos, eram frequentemente esculpidos com imagens que mostravam três mulheres de idade e aparência maternais, muitas vezes segurando cestos de fruta e um bebé. Com base nas inscrições encontradas, pensa-se que estes altares eram dedicados como oferendas de agradecimento pela abundância, dádivas e bênçãos que os soldados e marinheiros já tinham recebido. Acreditavam que as Mães tinham respondido às suas preces e esta era a sua forma de as reconhecer, queimando incenso e deixando oferendas de alimentos.

Muitas destas deusas ou espíritos tinham o nome da família que as invocava, bem como o nome do rio ou da nascente que tutelava a cidade ou aldeia local, como as matronas Albiahenae da cidade de Elvenich ou as Renahenae do Reno. Das 1100 pedras votivas encontradas, mais de 360 designam os mesmos grupos de matronas, as Aufaniae, as Suleviae e as Vacallinehae. Com base na idade das inscrições em pedra, parece que o culto das matronas começou a extinguir-se na Alemanha continental por volta do século V d.C., e Modraniht deixou de ser tão amplamente celebrado à medida que o cristianismo se impôs.

O que é que podemos retirar do que a história nos conta? A Noite das Mães era o momento de honrar as mães de "alma" da família e da tribo que velavam por elas. Destinava-se às mães que tinham feito a travessia, não àquelas que ainda viviam.

Na Noite das Mães, honra-se o sacrifício da vida para que as mães ancestrais se tornem uma fonte de sabedoria e força para aquelas que ainda vivem.

Gosto de começar a minha celebração criando um pequeno monte de pedras num altar temporário. Honro primeiro as minhas mães que fizeram a travessia, inscrevendo os seus nomes na pedra com giz. Acendo uma vela para cada uma delas. Lembro-me delas e conto as suas histórias. Opto também por honrar a força das mães ainda vivas, para que possam fazer parte dessa corrente ancestral quando chegar a sua vez de atravessar o véu.

Bebo uma chávena de chá e convido-as a partilharem dele. Faço croché, algo que a minha bisavó me ensinou no alpendre da frente durante o verão, quando eu era mais nova, oferecendo-me os seus ganchos quando já não os podia usar. Uma forma de homenagear as mães é honrar o seu trabalho e transmitir os conhecimentos que nos foram transmitidos por elas, e pelas mães delas, e que continuam vivos através de nós e do trabalho das nossas mãos. Sento-me e costuro à mão, cerzindo roupas velhas e, enquanto costuro, rezo.

Chamo-me Sarah, sou filha de Margaret, filha de Patricia, filha de Margaret, filha de Eliza, filha de Mary da Irlanda.

Rezo pela saúde dos meus entes queridos.

Rezo pela cura da minha amiga, uma mãe, que luta contra o cancro da mama.

Rezo pela cura de uma amiga cuja mãe morreu faz hoje um ano.

Rezo pela cura de uma amiga que perdeu a sua mãe recentemente, uma mãe cujo aniversário é hoje.

Rezo pela cura de uma amiga cuja mãe descobriu recentemente que o seu cancro voltou.

Peço força para a minha sobrinha, que é mãe pela primeira vez este ano.

Rezo para que o eco da sabedoria das mães que vieram antes seja lembrado.

Rezo pela terra, pela nossa Grande Mãe, cujos ossos, minerais e ADN animal nos deram vida.

~ Por Sarah Lyn

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Imagem 1 - Arte de Ida Mary Walker Larsen

 Imagem 2 - https://thealderscrolls.wordpress.com/

 Imagem 3 - Pinterest

 

 

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Solstício de Inverno - A Luz e a Escuridão

Os festivais da Roda do Ano são chamados Festivais Solares porque sempre celebram o movimento da Terra à volta da nossa estrela, à volta do Sol. Mas a ênfase excessiva no Sol acaba por fazer esquecer a Terra, o facto de estarmos aqui, sendo nós parte dela. Na verdade ela é um ser sagrado, Gaia, e Natureza é um dos Seus muitos nomes. Os Seus processos de criação, entretanto, precisam da escuridão, foi na escuridão do útero da nossa mãe que fomos geradas e gerados. Diz-nos Carol P. Christ, no seu ensaio Podemos Celebrar a Escuridão, Podemos Dormir?, que esta ênfase na luz tem na verdade uma origem patriarcal. Na Religião da Velha Europa, investigada pela arqueóloga, ou arqueomitóloga, Marija Gimbutas, celebrava-se a Deusa como o poder da morte e da regeneração da vida. Essa espiritualidade era praticada por povos agrícolas, que compreendiam a importância da escuridão para que as sementes pudessem germinar. A escuridão e o frio eram condições indispensáveis para que na Primavera pudéssemos ter novas plantas. Esse tempo de pousio, de falta de luz, de noites maiores que ou tão grandes como os dias, são também alturas em que podemos repousar mais e melhor. Essa época, em que seres humanos e animais permanecem mais tempo no interior das suas casas ou tocas, hibernando, é o chamado Tempo do Sonho, propício à concepção de novas ideias e projectos, que depois ganharão forma no novo ciclo da criação. Reuniões familiares e convívio à volta da fogueira, partilhando cantigas e histórias também davam um encanto especial a estas longas noites de Inverno. Esse era um período muito importante para os povos agrícolas do passado.

Carol P. Christ lembra-nos, entretanto, que os indo-europeus invasores não eram um povo agrícola, eram pastores nómadas e cavaleiros, que celebravam os reluzentes Deuses do céu. Por conseguinte, estas duas formas de estar na vida e de ver o mundo, dos agricultores da Velha Europa e dos povos que os invadiram, nómadas e pastores, provocou um grande choque de culturas. O poder desses Deuses brilhantes do céu reflectia-se no brilho das suas armaduras e armas de bronze.

E então aconteceu que esses patriarcas "casaram" os seus Deuses celestes com as Deusas-Mães terrestres que conquistaram. Tratava-se de uniões desiguais, uma vez que o sol era visto como superior à terra. Um exemplo disso é o casamento de Zeus com Hera, na mitologia grega da época clássica. De Deusa independente e poderosa que era, esta antiga divindade cretense viu-se assim transformada numa megera atormentada pelo ciúme, desesperada e violenta, que em vão passava o seu tempo tentando remediar o resultado dos instintos de violador em série, de ninfas e de Deusas, que tinha por marido. As Deusas mais velhas, que recusaram essa violação e casamento, foram relegadas para as fendas escuras da terra, vistas como a entrada para o submundo. E estas entidades divinas ctónicas emergiam das profundezas da terra em fúria, causando morte e destruição.

Para os antigos europeus, as serpentes que saíam das fendas nas pedras na Primavera eram prenúncio de renovação e de regeneração. Tal como as sementes, estas dormiam num local escuro durante o Inverno, despertando na Primavera, quando despiam a velha pele e punham os seus ovos. O submundo era entendido como um lugar de transformação, e não, como se tornaria mais tarde, um lugar de morte e destruição. A serpente era esse símbolo de regeneração da vida e não um símbolo do mal. Segundo ainda Marija Gimbutas, o branco era a cor da morte na Velha Europa, já o preto era a cor da transformação e da renovação da vida. Enquanto estes povos viam a morte como uma etapa necessária do ciclo da vida, os indo-europeus invasores ensinaram-lhes que a morte é um fim a temer e que a luz deve ser reverenciada e a escuridão evitada a todo o custo. Foram eles que desenvolveram o binómio claro escuro em que este segundo é negativo. Os indo-europeus entraram na Índia e na Europa. A noção de iluminação encontrada no Hinduísmo e no Budismo é ainda, segundo Carol Christ, um legado do binómio claro-escuro. Este povo, entretanto, também era de pele mais clara do que a das gentes que conquistaram, e assim a dicotomia claro/escuro pôde ser usada para justificar o domínio dos guerreiros de pele mais clara. Esta valorização também está presente no enfoque na ideia da luz e do amor da Nova Era. As pessoas que seguem caminhos espirituais baseados na terra afirmam frequentemente que celebram a escuridão da mesma forma que a luz, mas aí, e concordo plenamente com a autora, não é bem assim, pois na verdade elas ainda estão presas à glorificação indo-europeia do branco e da luz. A prova disso é que, no meio do Inverno, regozijamo-nos com o regresso da luz, mas não nos regozijamos da mesma forma com o regresso das trevas no Solstício de Verão. Tanto num momento como no outro o que festejamos é a luz.

Mas como poderíamos nós celebrar a escuridão? Dormindo mais, reaprendendo que o ciclo da vida se divide em três partes, nascimento, morte e regeneração, não em dois, a vida e a morte, o preto e o branco, a escuridão e a luz. Poderíamos começar por ter uma boa noite de sono nestes longos períodos de trevas invernosas, como pede o nosso corpo, que nos ensina que a escuridão é realmente tão importante quanto a luz.

Então esta celebração de Santa Luzia, a 13 de Dezembro, antiga data do Solstício de Inverno, com as fogueiras em Sua honra que se ateiam e depois também na longa noite da actual data, deveria ter como contrapartida uma celebração da escuridão no Solstício de Verão, pois é então que começa o Inverno, com os dias começando lentamente a ficarem mais curtos. Mas a verdade é que parece que nós continuamos a cultivar entusiasticamente esta nossa herança patriarcal de desequilíbrio na valorização da luz em relação à escuridão.

Fonte de inspiração: Carol P. Christ

https://feminismandreligion.com/2022/11/21/legacy-of-carol-p-christ-can-we-celebrate-the-dark-can-we-sleep/

 

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

HONRANDO A DEUSA NEGRA - Kathy Jones

 

Wendy Andrew
Samhain é o tempo de honrar a Deusa Negra. Não é necessariamente o tempo de A encontrarmos face a face, mas é um momento em que tomamos consciência da Sua poderosa existência. Podemos ter a certeza de que na nossa jornada para nos tornarmos sacerdotisas vamos enfrentá-la e possivelmente mais de uma vez. Ela vai desafiar-nos com eventos e circunstâncias que nos poderão parecer demasiado difíceis de suportar. Ela vai levar-nos até ao fundo da Sua gruta no interior da terra. Ela vai mostrar-nos a Sua face terrível. O Seu amor poderoso vai revelar as coisas que escondemos, que encobrimos no nosso passado por serem demasiado chocantes e doerem demais. Ela vai deixar-nos sozinhas na sua cave, e vamo-nos sentir abandonadas por Ela e por todas as pessoas à nossa volta. Podemos permanecer aí por algum tempo, algumas semanas, meses ou anos. Até que subitamente um dia Ela vai regressar com todo o Seu amor, revelando toda a beleza que jaz escondida na escuridão do inframundo. Compreenderemos então o que nos aconteceu e como isso nos transformou no melhor sentido e o nosso coração enche-se de gratidão pelo seu aparecimento nas nossas vidas.

A espiritualidade da Deusa é uma experiência de completude, de altos e baixos. A Deusa abrange tanto a criação como a destruição, positivo e negativo, tal como está expresso no símbolo chinês do yin e do yang que descreve o contínuo equilíbrio entre os opostos. Ela é a vida e o tempo da abundância estival, mas também a morte e a decadência do outono. Ao morrerem, as plantas caem à terra formando o escuro composto no qual a vida germinará uma vez mais na primavera. Ao contrário das religiões patriarcais que focam a sua adoração na Luz, sublimando a Escuridão, demonizando tudo o que não é Luz, associando-o ao mal. A espiritualidade da Deusa tanto abrange a Luz como a Escuridão, considerando cada uma destas qualidades como essencial para a existência da outra.


No mundo natural, que é um espelho no qual a natureza da Deusa se torna visível, toda a vida nasce da escuridão, a escuridão da terra, do útero, da noite. Não existe regeneração sem escuridão, renascimento sem morte. Todos os belos cristais do mundo são criados na escuridão do interior da terra. Toda a vida animal e humana é gerada na escuridão do útero da mãe. Sentimos regeneradas a cada manhã após as horas de escuridão em que fechámos os olhos à luz e dormimos. O nosso mundo move-se para a escuridão ao cair da noite e renova-se a cada manhã pela ação dos raios solares. A escuridão traz repouso e renovação. Esquecemo-nos destas verdades tentando anular a escuridão com as nossa iluminação elétrica continuando a luz pela noite dentro, focando-nos na luz nos nossos esforços para ignorarmos a nossa própria escuridão.

A Deusa Negra é uma iniciadora e uma “embusteira”. Ela inicia o novo muitas vezes com algum truque, embuste ou algo que se apresenta como uma má ação. Ela é a Velha e habitualmente hedionda bruxa que aparece nos contos de fadas, oferecendo uma maçã muito bela e vermelha  mas envenenada, que inicia as raparigas que se transformam em mulheres. Ela é a Madrasta Malvada, que trama a nossa desgraça e nos ensina a lidar com as emoções alheias assim como com as nossas para que possamos crescer e entrar na idade adulta. Ela é a Velha Bruxa medonha que pode lançar sobre nós os Seus feitiços por cem anos ou mais.


[…]

 O encontro com a Face Negra da Deusa é uma parte vital da nossa jornada para nos tornarmos Sacerdotisas. Ela vai levar-nos até às Suas profundidades, ao encontro dos nossos medos mais obscuros e das nossas dores mais recônditas. Temos de aprender a estacionar nesses lugares onde a verdadeira transformação ocorre, nas profundidades da nossa parte sombra. Pessoalmente, tive alguma resistência em aceitar que as mais completas transformações resultam da ação do sofrimento. Protestei contra Ela. Por que não pode tudo isto ser mais fácil? Por que é que a transformação não pode acontecer na alegria? Bem, também pode acontecer, há muitas transformações que ocorrem pela ação da Luz, mas muitas e muitos de nós nestes tempos temos grandes dilemas internos para resolver. Vivemos em duras e desoladas paisagens urbanas, experienciamos o deserto emocional nas nossas vidas, falhamos terrivelmente segundo os nossos próprios critérios, que importam os das outras pessoas, antes de sermos forçadas das profundidades da nossa dor a mudar de direção, a renascer, a encontrar a verdadeira vida.

A nossa resistência à mudança, o nosso teimoso apego, quando deveríamos deixar ir aquilo que achamos que somos, é um sinal da nossa força interior trabalhando contra nós em vez de a nosso favor. A nossa desesperada necessidade de sobreviver a todo o custo é instintiva e autoprotetora, mas está lá para ser adoçada pela Sua amorosa e constante presença, forçando-nos a enfrentar o âmago da nossa própria sombra. A Deusa Negra pede-nos rendição aos Seus poderes de transformação.

Como Sacerdotisas da Deusa temos de conhecer todas estas experiências desde o nosso íntimo, desde o âmago do nosso próprio corpo, emoções e alma, para entendermos quão espantosas são as Suas transformações, quanto é grande o Seu amor por nós, quão sábia Ela é. Também é importante termos passado por tudo isto para podermos entrar em empatia com quem faz a sua jornada com a Deusa Negra, para que nos possamos sentar com essas pessoas, com elas inspirando e expirando na obscuridade, com elas gemendo os seus lamentos, entrando em empatia com o seu sofrimento.

A presença da Deusa Negra estimula os nossos medos e dores, mortes e perdas, estimulando a nossa jornada rumo à mudança. Ela traz-nos tragédia, traição e perda da confiança. Ela ensina discriminação, discernimento e a natureza da criatividade. Ela ajuda-nos a fortalecer a nossa resolução interna de seguir o caminho da alma. Acima de tudo, Ela ensina-nos a sentir compaixão por nós mesmas e por todas as pessoas em sofrimento.

ENCARANDO A SOMBRA

Na nossa formação de sacerdotisas a Senhora Negra irá colocar-nos face a face com aspetos da nossa sombra que estão fora do alcance da nossa mente consciente por serem demasiado penosos e duros de recordar. Isso inclui memórias acidentes traumáticos, de abuso, maus-tratos, raiva, tanto sentida por nós por alguém como sentida por alguém em relação a nós, vergonha, dor, culpa, mágoa. Estas memórias podem estar escondidas, mas isso não significa que não mais nos afetam. O nosso comportamento é determinado tanto pelas nossas intenções conscientes como pela necessidade de protegermos estes nossos aspetos Sombra. A nossa jornada de sacerdotisas vai acabar por trazer à superfície estas memórias dolorosas do nosso inconsciente para serem curadas e melhor podermos aceder ao nosso verdadeiro eu.

À medida que estas memórias esquecidas podem começar a surgir, por vezes pela primeira vez desde há muitos anos, as emoções dolorosas a elas associadas são muitas vezes projetadas sobre outras pessoas, tutoras, tutores, colegas, familiares e pessoas amigas, quem quer que na altura estiver por perto. Recriamos os cenários dolorosos do nosso passado, dando-lhe novas formas, e projetamos os nossos sentimentos inaceitáveis sobre outras pessoas. A vida torna-se desafiadora quando exprimimos as nossas emoções recalcadas de forma não apropriada, projetando-as em pessoas que não as causaram mas que estão agora a pressionar esse botão. Na nossa jornada sacerdotal aprendemos a autorreflexão, bem como a tomar consciência daquilo que está a acontecer connosco quando nos encontramos em conflito com pessoas à nossa volta, quando criticamos, culpamos e atacamos outras pessoas projetando nelas a nossa Sombra.

Em si mesmo, o treino duma sacerdotisa é principalmente uma jornada cerimonial, que desperta e desenvolve a aspiração espiritual, criatividade e conexão com a Deusa. Não se trata de psicoterapia, embora seja um catalisador de mudança em todos os aspetos da personalidade à medida que nos abrimos à Deusa e nos sentimos mais autoconscientes e empoderadas. Podemos tomar consciência de feridas que precisam de cura e precisamos de contar com isso.

In Priestess of Avalon, Priestess of the Goddess, Kathy Jones


sábado, 21 de outubro de 2023

A LAVADEIRA DO VAU - uma divindade do Samhain


(The Washer at the Ford
e a Ribeira da Mulher Morta

 Mexilhoeira Grande, concelho de Portimão, Serro do Algarve 

A Ribeira da Mulher Morta vem de Pereiro e desagua no rio Mexilhoeira

 A cultura algarvia é rica em vestígios celtas e em lendas de Mouras Encantadas e Portimão é uma dessas zonas particularmente afortunadas, dentro daquilo que já pude perceber. Nessa área, não longe da foz da Ribeira de Boina, por exemplo, o monumento funerário de Alcalar apresenta grandes semelhanças com New Grange na Irlanda, construído no vale do River Boyne. Pensa-se que Boina e Boyne se relacionam com o teónimo Bovinda, que por sua vez se relaciona com o nome da Grande Deusa celta, Brígida.

Acontece que uma das minhas alunas trouxe-me há dias uma pérola da cultura celta encontrada quando, ao investigar a Gruta da Mulher Morta, no Serro do Algarve, se deparou com a Ribeira da Mulher Morta. Lendas ouvidas sobre o lugar contam que uma mulher aí se afogou quando insistiu em ir lavar num dia tão sagrado quanto a Quinta-feira da Espiga. O som da roupa a ser batida na pedra ainda ecoa certos dias, a certas horas…

Ora, uma assombração feminina que lava a roupa no rio, no vau, subsiste na cultura irlandesa, onde é designada por the Washer at the Ford, que traduzindo dá a Lavadeira do Vau. A roupa que lava está ensanguentada e ela é considerada um avatar da Deusa Banshee da Irlanda, ou Bean Sidhe do País de Gales, e noutras interpretações da Deusa Morrigan.

Esta anunciadora da morte, divindade do Samhain, portanto, também se pode encontrar no folclore da Galiza, onde é justamente referida como a Lavadeira do Vau. Curiosamente, ainda no concelho de Portimão, ao escrever o nome desta figura no motor de busca, fui remetida para a localidade de Ladeira do Vau…

Na minha perspectiva e interpretação, estas figuras, vão para além da cultura celta e parecem ser aparentadas com o fantasma de La Llorona, do México, ou com as personagens de Medeia, da mitologia grega, e de Lilith, da mitologia hebraica. Relacionam-se também, estas entidades, com o  fantasma da Mulher de Branco, presente na nossa cultura e, ao que parece, em variadíssimas outras latitudes deste mundo e dimensão.

O que eu sinto é que Elas nos trazem notícias do Corpo de Dor do Feminino, remetendo-nos para o grande vazio que o impacto devastador da cultura patriarcal criou na alma da mulher...

Fonte da imagem: https://www.scarletgothica.com/view_work.php?work=378

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Senhora das Flores - uma das Faces da Deusa de Beltane

Sabias que uma das invocações da face da Deusa de Beltane é Senhora das Flores?

As flores são, como sabes, os órgãos sexuais das plantas, puras manifestações da beleza e sabedoria divinas e têm um grande poder, magia e capacidade de cura para nos oferecerem. Como nos diz a autora do livro A Magia das Flores, Tess Whitehurst, elas situam-se na fronteira entre o visível e o invisível, mais perto do reino etérico da energia pura e por isso permitem-nos ver o coração da verdade. Se nos sintonizarmos com as suas vibrações únicas, podemos melhorar muito a nossa saúde e vitalidade, poder e sucesso pessoal. Temos a aromaterapia e os florais de Bach, por exemplo, para o atestarem.

Na verdade elas tanto podem servir como terapeutas como como perfeitas e maravilhosas emissárias do poder da Deusa, por isso a Senhora das Flores é tão importante e será honrada na nossa Conferência da Deusa, entre 10 e 12 de Maio de 2024.

Sem dúvida que quanto mais reconhecemos este poder inefável das flores mais paz e harmonia e alma trazemos ao mundo.

Na nossa cultura existe uma rainha que realizou o célebre Milagre das Rosas. Foi Isabel de Aragão, mais conhecida como a Rainha Santa Isabel (1270-1336), mas parece que outras santas e rainhas realizaram o mesmo, inclusive uma sua tia na Hungria.

Seja como for, desta história existe uma parte que não parece ser vista nem interessar: a proibição do Rei, em relação à Rainha, de esta exercer a caridade. Esta foi a real causa do milagre: esconder do Rei, no caso Dinis, as suas acções em prol das pessoas pobres e esfomeadas, já que o que ela transformou em rosas foi o próprio pão que lhes mataria a fome naquele dia… Esta é a parte do milagre que não se conta, mas que deveria causar-nos indignação, é que, mesmo sendo Isabel de Aragão rainha, e por isso mesmo possuidora de riqueza própria, ela não podia fazer o que queria com o seu dinheiro…

As flores têm destas coisas, um lado sombra… Muitas vezes também são conectadas com futilidade, superficialidade, vaidade, ou desempoderamento… Invocando aspectos sombra do feminino que podem levar-nos até à própria história da Deusa celta Blodeuwedd, a Deusa feita de flores… um pouco como Eva foi feita para Adão… Só que Blodeuwedd se libertou ao apaixonar-se pelo eleito do seu coração… Foi entretanto amaldiçoada até as mulheres da Deusa se terem identificado com o seu destino e reconhecido o seu antigo poder quando se transformou numa coruja, ou mocho, qualquer uma delas muito sagrada da Deusa…

Em Portugal, existem templos cristãos à Senhora das Flores em, pelo menos, Travanca e em Oliveira de Azeméis.

 

 Imagens: Milagre das Rosas, pintor André Gonçalves, 1735

Deusa Blodeuwedd

 

Caminhos das e dos Mortos - estruturas físicas e psíquicas

“Caminhos das e dos Mortos”, ou “Estradas dos Espíritos”, podem ser encontrados por toda a Europa. No Reino Unido, são conhecidos maioritari...