A Deusa na Sua Face de Rainha do Verão despede-se de nós a 13 de Outubro, na Cova da Iria, e uma semana depois Ela é “morta” em Tomar, de onde o Seu corpo, levado pelas águas daquele que é agora também um Rio da Morte e Esquecimento, o Nabão, vai dar ao Zêzere e depois ao Tejo. O Rio do Verão é o Rio da Vida, da fertilidade dos campos, da alegria de chapinhar nas águas que refrescam do calor excessivo do Verão. No Inverno, porém, ele transforma-se no Rio da Morte, que leva o que já pereceu, que destrói, dissolvendo, os destroços da vida. Ele pode também ser o Rio da Morte pelos excessos da sua corrente, pelo transbordar do seu caudal. Mas vendo bem, tal como no Yin temos a marca do Yang e vice-versa, mesmo transbordando, alagando, destruindo a velha forma, ele sempre traz consigo mais e mais fertilidade aos campos.
pedido com uma imagem do médico santo doutor Sousa Martins, que viveu não longe dali. Iria é agora Rainha do Inframundo, como Perséfone ou Proserpina; Ela jaz e ao mesmo tempo exerce o Seu poder a partir das profundezas do leito do Tejo, desde a Sua “última morada”, o Seu túmulo do mais puro alabastro fabricado pelos próprios anjos, um túmulo nunca visto por olhos humanos a não ser pelos do nosso rei poeta e agricultor, Dinis, e da sua mulher, rainha e santa, Isabel de Aragão, que na nossa cultura têm quase o mítico estatuto do céltico par real Artur e Genivera.A morte associada ao rio, o Rio da Morte…
A teologia, ou tealogia, da nossa Deusa é rica e complexa e
envolve o Sol e a Lua, a Terra e as Águas, para o fundo das quais Ela é levada pela corrente, na
estação em que morre a vegetação, os animais hibernam e os campos entram em
pousio.
Iria sempre inspirou, além do povo simples, poetas como, aqui, António Nobre:
Santa Iria
(Que
floresceu em Nabância no século VII)
Num rio
virginal de águas claras e mansas,
Pequenino
baixel, a Santa vai boiando.
Pouco a
pouco, dilui-se o oiro das suas tranças
E, diluído,
vê-se as águas aloirando.
Circunda-a
um esplendor de verdes Esperanças.
Unge-lhe a
fronte o luar (os Santos Óleos) brando,
E, com a
Graça etérea e meiga das crianças,
Formosa Iria
vai boiando, vai boiando…
Os cravos e
os jasmins abrem-se à luz da Lua,
E, ao
verem-na passar, fantástica barquinha,
Murmuram-se
entre si: «É um mármore que flutua!»
Ela entra,
enfim, no Oceano… E escuta-se, ao luar,
A mãe do
Pescador, rezando a ladainha
Pelos que
andam, Senhor! Sobre as águas do Mar…”
Seu ventre prenhe e os Seus seios fartos, e mais
além ainda, anunciada pela marca do seu pezinho de Donzela, a Sua sagrada vulva
de onde jorram as águas amnióticas que alimentam e sustêm a Vida.
2. Padrão de Santa Iria, Ribeira de Santarém
3. Pego de Santa Iria, Tomar
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