Fiquei surpreendida com o primeiro Yule, a celebração do
Solstício do Inverno, vivido na energia da Roda do Ano de Avalon.
Contrariamente ao que acontece na espiritualidade pagã em geral, aqui a ênfase
não é dada exatamente ao nascimento do Sol, ao facto de a partir deste momento
de menor duração da luz do Sol, ele começar a ficar cada vez mais tempo no céu,
aumentando o tamanho do dia em relação ao da noite. Aqui, pelo contrário, e
isso fez logo todo o sentido para mim, este é o momento de entrarmos mais fundo
no inverno e no silêncio, na quietude que as desafiadoras condições
atmosféricas exteriores impõem à nossa vida, e à vida em geral, levando-nos a
hibernar, a procurarmos recursos no interior.
No exterior, na natureza, o despojamento continua com a desintegração
de tudo aquilo que envelheceu e já não serve mais. A morte física sobrevém. A
ação do vento, da neve e do gelo, da água que cai em abundância destrói o que
ainda resta da estação anterior e os abutres precipitam-se agora sobre os
cadáveres dos animais que pereceram, limpando-os de toda a carne, deixando
apenas os ossos, símbolos daquilo que é essencial e imperecível, daquilo que
resiste ao tempo.
Voltarmo-nos para dentro de nós e encontrarmos o caminho para as dimensões espirituais de entre vidas, conectando-nos com as e os ancestrais primordiais, que nas palavras de Kathy Jones, são “os seres de Fogo, Gelo, Água, Ar e Terra que criaram o maravilhoso mundo em que nós vivemos”, é uma forma extraordinária de atravessarmos esta estação. Honrarmos a sabedoria das anciãs e dos anciãos da nossa cultura; irmos mais fundo na compreensão da nossa linhagem, da nossa história enquanto alma individual, da da alma da família e do território onde nascemos; aprofundarmos a nossa espiritualidade, reconstruindo o nosso caminho até às estrelas de onde viemos, é algo de muito mágico, que nos leva a verdadeiramente sentirmos a nossa infinidade, a nossa imortalidade e a nossa profunda ligação com o vasto cosmos. A proposta nesta estação é então sentirmos o mundo do lado de dentro e olharmos para a nossa vida duma perspetiva mais elevada, considerando a nossa infinidade, a nossa imortalidade enquanto espírito, ligando-nos a quantas e a quantos nos precederam e tomando maior consciência da nossa história enquanto alma imortal.
Este é também o Tempo do Sonho, pois enquanto momento de hibernação, esta dimensão torna-se agora mais poderosa, em todas as suas vertentes, tanto do sonhar acordada ou acordado, como a da prática da visualização criativa, sonhando a vida como realmente a queremos, como ainda daquele sonhar que nos permite visitar outras realidades, outras linhas do tempo, ou vislumbrar conteúdos escondidos do nosso subconsciente. Manter um registo de sonhos é algo de muito importante sempre, mas em particular nesta altura do ano em que estamos tão recetivas a mensagens e insights de outras dimensões.
Aprofundar a nossa espiritualidade é também a proposta deste tempo de maior conexão com o cosmos, em que honramos Cale do Ar, a Mãe do Ar, Ana, Dana, a Senhora dos Ossos, a Senhora da Pedra, a Senhora do Inverno, a Senhora da Montanha, a Senhora das Estrelas, a Hespéride Germana, a Senhora do Pinheiro e a Moura Tecedeira, Aquela que tece o destino.
Do livro A Deusa do Jardim das Hespérides: Desvelando a Dimensão Encoberta do Sagrado Feminino em Portugal, Luiza Frazão
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