O Solstício de Inverno é o tempo abençoado da Deusa Anciã, da Senhora dos Ossos, da Pedra, da Montanha e do Inverno. Senhora daquilo que sobrevem à morte, do que resta, do que é eterno e sem forma, do puro Espírito - respiração espiritual da terra, sopro vital, que no vazio do Inverno, quando a terra adormecida repousa e recobra forças para o novo ciclo, zela pela chama do Fogo da criação, sonhando com a nova vida.
É assim que a Deusa Anciã, como é celebrada neste festival,
toma a Sua forma de Donzela para levar o Fogo para o interior, para que se
mantenha em segurança e as brasas da lareira do coração da casa, da comunidade
e de cada um e cada uma de nós não se apaguem durante a longa travessia do
Inverno. Na verdade, em várias partes do Hemisfério Norte, Ela é celebrada como
Luzia, ou Lúcia, que a igreja cristã reduziu à condição de santa, na noite de
12 para 13 de Dezembro, a antiga data do Solstício de Inverno, segundo o calendário
Juliano, que perdurou desde 46 da nossa era até 1582, ano em que foi
substituído por outro, o gregoriano, imposto pelo papa Gregório XIII.
Em Portugal, Luzia também é celebrada em muitos lugares
nessa noite, com fogueiras e convívio animado, que implica partilha de
alimentos, música e dança. Devo dizer que tive no ano de 2021 o privilégio de
ir pela primeira vez a essa celebração deliciosa, em Usseira de Óbidos, que tão
profundamente aqueceu o meu coração e avivou o meu espírito e o meu sentimento
de integração na comunidade, quando precisamente ainda estávamos a viver a
quarentena.
O nome desta divindade, Luzia, ou Lúcia, deriva de lux, que é luz em Latim, e os Seus poderes compreendem o de proteger a visão. Consta do Seu lendário que parte do martírio a que foi sujeita consistiu em lhe serem arrancados os olhos. Se interpretarmos esta história à luz dos Seus divinos poderes pagãos arcaicos, percebemos que a mensagem coincide com a proposta deste tempo de interiorização, de hibernação, quando a visão mais importante é a interna e não a externa.
Em outra lenda, Luzia usa uma coroa de velas acesas sobre a
cabeça, o que lhe permite ter as mãos mais livres para transportar alimentos,
quando penetra nas catacumbas romanas para dar assistência a quem aí terá sido
obrigada/o a refugiar-se. A memória dessa coroa de velas torna-se patente nas
belas procissões de Santa Luzia, que todos os anos se realizam nesta data nos
países nórdicos.
Ela é assim a Deusa Anciã, no Seu avatar de Donzela, que
leva a luz para o inframundo do Inverno profundo, guiando-nos nestes tempos
sombrios, abrindo a nossa visão interna, iluminando o que é realmente
importante, alimentando com a Sua sabedoria essa chama, trazendo-nos insights e
inspirando-nos neste tempo de sonharmos a nossa vida como a queremos. Aí,
o Seu poder ilumina as sombras da melancolia, do pessimismo, do isolamento, da
depressão. Para que essas sombras não se apoderem da nossa alma, nem da alma da
comunidade. Saímos de casa nessa noite para o largo da nossa “aldeia”, e acendemos-Lhe
fogueiras, em gratidão, a essa Deusa que sabemos que vela pelo nosso fogo
interno, pela nossa esperança nela, que incuba a preciosa chama da vida e a vai
manter protegida até retornar como a Sua própria Donzela pelo Imbolc.
©Luiza Frazão
Imagens:
1. Celebração de Santa Luzia, Usseira de Óbidos, 2021
2. Santa Luzia, Santa Maria da Feira
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